O ex-piloto de F1 Felipe Massa afirmou no último domingo que decidiu analisar suas opções legais sobre o título de 2008 – conquistado por Lewis Hamilton por um ponto de diferença em relação ao brasileiro. O resultado da temporada foi influenciado pelo escândalo do Singapuragate, que voltou a ser discutido nas últimas semanas após o ex-chefe da F1, Bernie Ecclestone, revelar que soube do caso ainda em 2008.
A primeira informação de que a colisão de Nelson Piquet Jr no muro em Marina Bay havia sido intencional foi dada pelo jornalista Reginaldo Leme, na transmissão do GP da Bélgica de 2009 na TV Globo. Abaixo, relembre os escândalos da temporada e os desdobramentos da fatídica etapa.
Contexto
Na temporada de 2008, diversos pilotos se revezaram na liderança do campeonato até o GP da Inglaterra, quando Lewis Hamilton, da McLaren, voltou a assumir a primeira colocação. Mesmo assim, após os GPs da Alemanha, Hungria e Europa, o brasileiro Felipe Massa, da Ferrari, se consolidou na segunda posição da tabela e começou a diminuir a diferença para o líder. Os rivais chegaram ao GP de Singapura com uma diferença de apenas um ponto na tabela.
Isso significaria que uma vitória na corrida seguinte, na Singapura, concederia ao brasileiro a primeira colocação na tabela, caminho este facilitado pela pole position do ferrarista.
A corrida
Porém, as chances de Massa diminuíram na curva 17 da volta 14 do GP em Marina Bay; Nelson Piquet Jr bateu no muro quando o piloto da Ferrari liderava a corrida, num trecho de difícil acesso e que obrigaria a adoção do safety car para a remoção do carro.
O brasileiro foi convocado pela Ferrari para ir aos boxes, aproveitando a bandeira amarela; no entanto, a equipe, durante o pit stop, liberou o piloto antes de ter terminado o reabastecimento. Massa saiu com a mangueira ainda presa ao veículo e, por isso, teve que parar no pit lane. Além da liberação considerada insegura, o brasileiro quase bateu em Adrian Sutil, o que lhe ocasionou ainda uma punição, além do quase um minuto perdido.
Para complicar ainda mais a situação, o brasileiro furou um pneu furado na parte final da prova e teve que visitar os boxes novamente. A diferença de um ponto para Hamilton aumentou para sete, a três corridas para o fim. O piloto da McLaren foi terceiro na prova, enquanto Massa, 13º.
Batida pós-Singapura
Logo na corrida seguinte, no Japão, a disputa pelo título gera um acidente. Hamilton e Massa colidiram no início da prova, num contato que jogou o britânico, pole, para o fim da classificação.
Após avaliação da direção de prova, o brasileiro foi foi punido com um drive through, mas conseguiu pontuar, terminando em sétimo; já o piloto da McLaren ficou em 12º. Consequentemente, o piloto da Ferrari diminuiu a diferença no Mundial de sete para cinco pontos.
Desfecho histórico no Brasil
Na penúltima etapa de 2008, na China, a vitória de Hamilton fez a diferença sobre Massa voltar para sete pontos. No Brasil, última prova do ano, se deu o episódio que marca toda a temporada: o brasileiro venceu a chuvosa corrida em Interlagos. Com Hamilton em sexto lugar antes de cruzar a linha de chegada, Felipe conseguiu a combinação de resultados que precisava para conquistar o primeiro título do Brasil desde Ayrton Senna em 1991. O resultado deixaria ambos empatados em pontos, mas Massa, com mais vitórias (seis contra cinco), levaria a melhor no critério de desempate.
A festa, porém, não durou muito: alvo fácil na chuva forte na volta final, Timo Glock foi superado por Hamilton, que cruzou a linha de chegada na quinta colocação e conquistou seu primeiro título mundial por um ponto de diferença.
Linha do tempo do escândalo
- Descoberta
Em 30 de setembro de 2008, dois dias depois da corrida, Piquet Jr contou a um amigo de sua família que havia batido no GP de Singapura propositalmente para acionar um safety car que beneficiaria Fernando Alonso – vencedor da prova. A ordem foi dada pelo dirigente da Renault Flavio Briatore e pelo diretor de engenharia Pat Symonds.
- Novembro de 2008
Após o relato de Piquet Jr a um amigo, a informação passou para o seu pai Nelson Piquet. O tricampeão revelou toda a situação para o então diretor de provas da Federação Internacional do Automobilismo (FIA), Charlie Withing. Ele recomendou ao brasileiro fazer uma denúncia à entidade, o que não aconteceu.
Charlie Whiting foi diretor de provas da Fórmula 1 entre 1997 e 2018 — Foto: EFE
- 25 de julho de 2009
A perda de espaço para a novata Brawn fez a direção da Renault priorizar Alonso em detrimento de Piquet Jr. No mesmo fim de semana em que Massa foi atingido por uma mola do carro do compatriota Rubens Barrichello, no GP da Hungria, o pai falou com Flavio Briatore, chefe do time francês.
O ex-piloto denunciou o caso dois dias depois para Max Mosley, presidente da FIA. Piquet Jr, por sua vez, foi dispensado do time.
- 30 de agosto de 2009
Reginaldo Leme revelou o furo da denúncia de Piquet na transmissão do GP da Bélgica. O fato seria confirmado no mesmo dia por Mosley. A FIA começou a investigar o caso. No mesmo fim de semana, foi revelado que a telemetria de Piquet Jr mostra que ele acelerou no momento da colisão, ao invés de desacelerar.
– O Nelsinho não treinava em condições iguais, o carro não era em condições iguais, então comecei a ir em todas as corridas para ver poderia ajudá-lo. E, no meio do ano, ele (Briatore) quebrou o contrato? Está na hora de a gente denunciar tudo o que aconteceu. Manipular resultado da corrida é coisa criminosa. Acaba com o esporte. Quando terminou o contrato, não tínhamos muito mais a perder – disse o tricampeão na época.
- Setembro de 2009
Piquet. Jr alegou ter aceitado a proposta de bater intencionalmente por estar emocionalmente fragilizado, pela recusa de Briatore em discutir seu contrato para 2009 e a pressão do gestor, com a ameaça de cercear sua ida para outras equipes. O brasileiro ainda se disse arrependido.
A Renault demitiu Briatore e Symonds, enquanto a FIA, por sua vez, baniu o dirigente da F1 após um julgamento do Conselho Mundial da entidade; já o ex-engenheiro do time foi suspenso por cinco anos. Hoje, ele é diretor-técnico da F1.
“A equipe admitiu que conspirou com seu piloto Nelson Piquet Jr. para causar um acidente intencional no Grande Prêmio de SIigapura de 2008, infringindo o Código Esportivo Internacional e os Regulamentos da F1. As violações da Renault não só comprometeram a integridade do esporte como também colocaram em risco a vida dos expectadores, representantes e outros competidores, bem como Nelson Piquet Jr”, comunicou a FIA, na ocasião.
Briatore chegou a chamar Piquet Jr de mimado e sugeriu até mesmo que o brasileiro manteria uma relação homossexual. O empresário ainda se isentou da responsabilidade no escândalo:
– Se eu disser para você assaltar um banco, você vai decidir se vai roubar ou não. Não sinto que eu tenha alguma responsabilidade.
- Outubro de 2009
Massa comentou sobre o caso e declarou crer que Alonso sabia do esquema, embora tenha amenizado o tom pouco tempo depois. O brasileiro cobrou por ações da FIA.
– Tudo que aconteceu foi um roubo, mas em relação à corrida, nada aconteceu, o resultado continua o mesmo. Isso não é certo. O roubo mudou o resultado de um campeonato e eu perdi o título. Já vi no futebol os resultados de jogos serem anulados porque um árbitro aceitou dinheiro. Na Itália, a Juventus foi rebaixada. Mas aqui eles só mandaram o Briatore para casa – denunciou o paulista, na ocasião.
Protestos
O Código Esportivo Internacional que vigorava na FIA em 2009 determinava no Artigo 179b que os comissários deveriam se reunir para julgar acontecimentos no caso de haver novas evidências.
Bernie Ecclestone ao lado de Max Mosley, presidente da FIA na ocasião do Singapuragate, em 2008 — Foto: Gareth Watkins/AFP via Getty Images
No entanto, o período para solicitar a revisão de um evento expira após 14 dias corridos da competição ou até quatro dias antes da cerimônia de premiação da FIA aos campeões e melhores colocados – em 2008, realizada no dia 12 de dezembro, quase três meses após o GP de Singapura.
O que trouxe o assunto de volta à tona?
Em março deste ano, o ex-chefe da F1 Bernie Ecclestone opinou sobre os títulos do atual heptacampeão Lewis Hamilton, agora na Mercedes. O britânico admitiu que tanto ele quanto Max Mosley, então presidente da FIA, sabiam o suficiente para investigar o “Singapuragate” pois foram informados ainda em 2008, mas optaram por não fazê-lo para resguardar a imagem do esporte.