A mãe da jovem solicitou para que a carta não fosse divulgada na íntegra, para respeitar a privacidade de Vitória.
O caso
Duas estudantes de medicina postaram um vídeo, tirado do ar na terça-feira (8/4) do TikTok (assista acima), no qual expõem a história da paciente Vitória Chaves da Silva, 11 dias antes de a jovem morrer de insuficiência renal, em 28 de fevereiro, no Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Nas imagens, apesar de não citarem o nome da paciente, as alunas Gabrielli Farias de Souza (no vídeo, de cabelos loiros) e Thaís Caldeiras Soares Foffano (no vídeo, à direita, de cabelos escuros) mencionam os três transplantes cardíacos e indicaram quando os procedimentos foram feitos — na infância, na adolescência e no início da maioridade –, o que coincide com o caso de Vitória, o único do Brasil.
No vídeo, Gabrielli dá detalhes dos procedimentos aos quais Vitória foi submetida. “A segunda vez ela transplantou e não tomou os remédios que deveria tomar, o corpo rejeitou [o órgão] e teve que transplantar de novo, por um erro dela [Vitória]. Agora ela transplantou de novo, [o corpo] aceitou, mas o rim não lidou bem com as medicações.” Logo depois, Thaís afirma que a paciente “acha que tem sete vidas”.
A postagem, feita em 17 de fevereiro, foi visualizada por pouco mais de 212 mil pessoas, o suficiente para um amigo reconhecer o caso e enviar uma mensagem de texto à família da amiga, no último dia 3, como relatou Giovana Chaves dos Santos, de 19 anos, irmã da paciente.
A exposição revoltou a irmã e a mãe da paciente. Elas decidiram registrar um boletim de ocorrência e acionaram o Ministério Público de São Paulo (MPSP), além do Incor.
Vitória morreu 11 dias depois do vídeo ir ao ar devido a um choque séptico e insuficiência renal crônica. A morte ocorreu um ano após o terceiro transplante de coração e dois anos depois de um transplante de rim, órgão que ficou comprometido durante o tratamento cardíaco da jovem.
Em nota assinado por ambas as estudantes e a equipe de advogados, elas afirmam que o conteúdo divulgado no TikTok “teve como única intenção expressar surpresa diante de um caso clínico mencionando no ambiente de estágio”.
As alunas dizem que a raridade da situação despertou a “curiosidade acadêmica” e as fez refletir sobre aspectos técnicos inéditos para as estudantes.
O comunicado ainda afirma que Gabrielli e Thaís não tiveram acesso ao prontuário da paciente. “Não sabíamos quem era”. Além disso, contou que não foram divulgadas nenhuma imagem de Vitória.
A dupla de estudantes nega ter havido “qualquer deboche ou insensibilidade”. “Nosso compromisso com a vida, a dignidade humana e os princípios éticos da medicina permanece inabalável”
Por fim, as investigadas manifestaram solidariedade à família de Vitória e afirmou estar tomando as providências para esclarecer o caso e preservar a “integridade pessoal, acadêmica e emocional”.
Ao Metrópoles, Thaís afirmou que a exposição do caso está sendo muito dolorosa e alegou que os fatos estão sendo distorcidos. “Como fica a saúde mental de uma estudante que é vítima do ódio disseminado pela mídia?”.
Mãe contesta declarações
Cláudia, mãe de Vitória, contestou as declarações das estudantes. “O que elas dizem é inverídico e temos provas de tudo, de que ela [Vitória] seguia o tratamento à risca”, diz.
“A gente sempre acompanhou a Vitória. A gente sabia o quanto ela lutava para viver, né? Tanto é que tem um monte de ofício na promotoria de a gente pedindo ajuda com medicação, com passagem para vir no tratamento. Ela nunca faltou a uma consulta sequer, né? E minha filha tinha sede de vida. Tudo o que ela queria era viver. Aí vem uma pessoa e diminui a história dela, eu não aceito, quero Justiça”, desabafou Cláudia.
O que dizem Incor e USP
Em nota, o Incor afirmou não divulgar dados de pacientes. A instituição afirmou, ainda, repudiar “veementemente” atitudes que violem os princípios da ética e confidencialidade. O instituto acrescentou que apura “rigorosamente o caso mencionado”, ressaltando que “adotará todas as medidas cabíveis”.
Procurada, a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) disse que as alunas atualmente não têm qualquer vínculo acadêmico com a universidade ou com o Incor. As estudantes estavam no hospital em função de um curso de extensão de curta duração (um mês). “Assim que foi tomado conhecimento do fato, as universidades de origem das estudantes foram notificadas para que possam tomar as providências cabíveis”, diz nota.
“Internamente, a USP está tomando medidas adicionais para reforçar junto aos participantes de cursos de extensão as orientações formais sobre conduta ética e uso responsável das redes sociais, além da assinatura de um termo de compromisso com os princípios de respeito aos pacientes e aos valores que regem a atuação da instituição”, completa o texto.
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