Augusto Bonequeiro: como um professor de arte virou um dos personagens mais conhecidos da TV brasileira

Por quase 15 anos, entre os anos 1994 e 2008, um boneco e seu ajudante faziam os paraibanos pararem em frente à TV para acompanhar as conversas em um mercadinho fictício, o ‘Mercadinho do Chibata’: ‘A Hora do Chibata’, clássico da televisão paraibana, reunia humor e críticas sociais, marcando época. O programa foi idealizado por Augusto Bonequeiro, humorista pernambucano, radicado no Ceará, que faleceu nesta terça-feira (4), em Fortaleza.
Augusto César Barreto Oliveira, o ‘Augusto Bonequeiro’, era natural do município de Escada, município na zona da mata pernambucana, e tinha 74 anos. Ele descobriu o universo dos bonecos enquanto professor de educação artística, adaptando o ensino teatral às escolas públicas.
“Eu descobri o boneco de forma muito interessante. Eu era professor de educação artística em escola particular. Escola particular sabe com o que é, tem tudo. Sala ambiente, palco teatro. Depois eu fui ser professor de educação artística em escola pública. Ai, escola pública, você sabe como é que é, não tem isso, não tem aquilo, falta aquilo outro. Eu me vi naquela circunstância de não ter como trabalhar com teatro de educação artística”, disse em entrevista veiculada no Repórter Maranhão, da TV Brasil, em 2017.

Segundo Bonequeiro, foi nesse momento que ele se lembrou, em meio a esta dificuldade, do teatro de boneco. “Em 1980, eu conheci uma cearense, num curso que eu vim dá em Fortaleza (..) eu me transformei em colecionador de bonecos”, disse na entrevista.
Conforme o Mapa de Cultura do Ceará, Augusto atuou como professor entre 1975 e 1979, em escolas da rede pública e privada de Olinda e Recife. Dois anos antes, ele iniciou com o Teatro de Amadores de Pernambuco em 1973, sendo um dos fundadores do Teatro Espontâneo do Recife no ano de 1975.
Já entre 1978 e 1981, ele atuou como diretor do Teatroneco – Grupo de Teatro de Bonecos da Fundação Cecosne, em Recife, onde montou 07 espetáculos, participando como manipulador e Diretor. Nesta época, participou de vários cursos promovidos pela Fundação Cecosne como:
- Teatro de Bonecos na Educação.
- Bonecos como Terapia.
- Oficinas de Teatro de Bonecos patrocinadas pela Universidade Federal de Pernambuco – Gothe Institut e Ministério da Cultura.
Em 1982 com Zilda Torres cria o Grupo Folguedo de Teatro de Bonecos, em Fortaleza-Ceará. Entre 1986 e 1987 passa a atuar como diretor do Theatro José de Alencar, onde foi homenageado em 1992.
Bonecos e TV: combinação que deu certo
Na primeira metade da década de 1990, a TV Jangadeiro, afiliada da Bandeirantes no Ceará à época, lança o programa ‘Botando Boneco’, com Augusto Bonequeiro interpretando o personagem ‘Seu Encrenca’, que contracena com a personagem Dona Cremilda, interpretada pela atriz Hiramisa Serra.
‘A Hora do Chibata’

Em setembro de 1994, a TV Tambaú, então afiliada à TV Manchete, estreia o humorístico ‘A Hora do Chibata’. Em entrevista em um especial dos 30 anos da emissora, veiculado em agosto de 2021, Augusto explicou que a ideia do programa surgiu em uma festa de aniversário.
“Tudo começou em uma festa de aniversário que eu estava fazendo, aniversário de criança, que o avô dela era apaixonado pelo Encrenca, o personagem que eu fazia no programa de TV na TV Jangadeiro, chamado ‘Botando Boneco’. E o ‘Seu Encrenca’ era o velho, ele contracenava com a dona Cremilda, que era a atriz Hiramisa Serra. Pois bem, conversa vai conversa vem, ele perguntou se eu topava ter um programa semelhante em um outro estado. Eu disse ‘claro qual?’. Ele disse: ‘Em João Pessoa, na Paraíba. Nós temos uma emissora de TV, TV Tambaú’ e na época transmitia o sinal da TV Manchete. Bom, claro que eu topei”, explicou.
Segundo Augusto, o programa da TV Tambaú começou a ser desenvolvido em conversas entre ele e o então superintendente da emissora, Paulo Monteiro.
“O programa ia ser semelhante ao daqui (do Ceará), só que mudava algumas coisas referentes ao Chibata. Que por sinal foi um nome que eu peguei de um personagem, de um mamulengo popular. Um velho ranzinza, gostava de fazer confusão, reclamava de tudo. Era assim que era o Chibata. Eu achei perfeito esse perfil do personagem para o nosso programa”, disse, como viu o ClickPB.

Além disso, a outra mudança era que Chibata iria contracenar não com a Dona Cremilda, mas sim com Filó, um jovem de 16 anos. Também na mesma entrevista dos 30 anos da TV Tambaú, o ator paraibano Edilson Alves, falou sobre como ocorreu o convite para participar do humorístico.
“O convite para fazer A Hora do Chibata, surgiu, eu ainda tava fazendo universidade. Tava cursando licenciatura em Educação Artística. E também, lógico já fazia teatro, já fazia parte do grupo de teatro agitada Gang, Companhia Paraibana de Comédia, da Arretado Produções Artísticas, e existia um jornalista na própria TV, chamado Jacinto. E Jacinto conhecia o meu trabalho, a minha vida artística na cidade. Quando Augusto Bonequeiro propôs fazer o programa A Hora do Chibata em João Pessoa, ele pediu indicação de um ator. E aí o Jacinto, o fato de trabalhar na redação da TV Tambaú, acompanhava meu trabalho. E aí ele me indica para Augusto para a gente conversar, com a TV, para fazer parte do programa. E aí foi meu primeiro contato, conhecer Augusto Bonequeiro, de que se tratava o programa e que personagem iria fazer”, detalhou.

Ao longo da entrevista, Edilson Alves citou que teve medo de interpretar o personagem Filó, porém foi encorajado pelo pernambucano. Segundo Edilson, ele sugeriu a Augusto que poderia interpretar um personagem que já fazia no teatro, com características parecidas com a do Chibata, porém teve uma negativa e também um encorajamento.
“Ele disse não. Quem tem que ser machão, feio, bruto, é o Chibata. Eu quero exatamente um personagem para fazer o contraponto. Um personagem doce, meigo, suave. Aí eu disse, então tá. Vou compor, Filó”, explicou Alves.
“Nos conhecemos num passe de mágica. A alquimia se realizou, se fechou e nós criamos a dupla Chibata e Filó, Augusto Bonequeiro e Edilson Alves”, disse Augusto na entrevista à TV Tambaú, como acompanhou o ClickPB.
Hoje (4), em publicação nas redes sociais, Edilson Alves citou que a terça-feira está sendo “um dia difícil”.
“Hoje o dia está sendo difícil pra mim. Perdi um amigo, o cara que me levou pra televisão. O amigo que acreditava no meu potencial. O cara que me ensinou tudo sobre televisão. Ele sempre foi um incentivador do meu trabalho”, disse. Clique aqui para ler o texto completo.
Ao longo da mesma entrevista, Augusto detalhou que os episódios da ‘Hora do Chibata’ eram gravados em apenas um dia. Ele se deslocava semanalmente do Ceará para a Paraíba, de ônibus, e buscava se informar do que estava acontecendo em João Pessoa e na Paraíba para realizar o programa.
“Domingo a noite eu saia daqui de Fortaleza, passava a noite viajando, num ônibus que ia para Recife. Ficava em João Pessoa, de lá ia para o Hotel na orla marítima, andava um pouquinho, pegava esse sol maravilhoso da cidade, lia os jornais do dia e ia para a TV. Lá eu ia entrar em contato com o pessoal do setor de jornalismo que me punha a par do que mais aconteceu de interessante na cidade e no estado durante a semana. E aí eu preparava o roteiro, ia almoçar. A tarde, fazíamos a gravação de cinco programas da semana”, falou Augusto na entrevista veiculada em 2021.
No humorístico, além das críticas do Chibata e dos diálogos com Filó, o bordão ‘Me Aguarde’, citado pelo seu ‘Salomão Chibata’, cativou o público. Assim, o programa, como ocorreu com o ‘Botando Boneco’, chegou ao primeiro lugar de audiência no horário do almoço.
Título de cidadão pessoense e de ‘Mestre da Cultura do Ceará’
Ao longo de seus 74 anos, o professor de arte que virou humorista e dono de um dos personagens mais lembrados da TV brasileira, recebeu algumas homenagens. Entre eles, um título de cidadão pessoense e mais recente o título de ‘Mestre da Cultura Popular do Ceará’.
O título de cidadão pessoense foi concedido pela Câmara Municipal de João Pessoa (CMJP) em março de 2008. Como checou o ClickPB, o título foi proposto pelo então vereador Luciano Cartaxo (PT). Em 2022, recebeu o título do governo do Ceará de ‘Mestre da Cultura’, reconhecendo seu trabalho ao longo de mais de 40 anos, principalmente a atuação no chamado ‘Teatro de Bonecos’.




