Impasse com BC trava regulamentação do mercado de vale-alimentação
Não restam dúvidas ao governo Lula (PT) sobre a importância de regulamentar o mercado do vale-alimentação (VA) e do vale-refeição (VR), mas o impasse político sobre como fazer a administração do negócio trava o andamento dessa pauta.
Há alguns dias, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, indicou que essa é uma de suas apostas para cumprir a determinação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de baratear o preço dos alimentos, ante a alta inflação de alimentos.
O embaraço se deve ao fato de que o Ministério da Fazenda quer que o Banco Central (BC) assuma a regulamentação do mercado de benefícios, e o BC resiste. A instituição alega não ter condições de regular o mercado, o que não significa que não sejam necessárias regras para seu funcionamento.
A autoridade monetária não encara esse mercado como um risco ao sistema de pagamentos brasileiro e indica que não fará a regulamentação do segmento. A alternativa seria atribuir essa competência ao Conselho Monetário Nacional (CMN), órgão superior do Sistema Financeiro Nacional composto pelo próprio BC e pelos ministérios da Fazenda e do Planejamento. O CMN se reúne uma vez por mês.
O mercado esperava que o impasse fosse resolvido com a posse do novo presidente do BC, Gabriel Galípolo, que assumiu em 1º de janeiro, no lugar de Roberto Campos Neto, mas isso não ocorreu.
Procurados via assessoria, Fazenda e BC não se manifestaram.
Entenda
- O governo precisa regulamentar o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), que oferece benefícios de alimentação para trabalhadores que ganham até cinco salários mínimos em diferentes estabelecimentos (bares, restaurantes e supermercados).
- O programa é voluntário, ou seja, a adesão das empresas não é obrigatória. Em caso de adesão, as empresas se valem da dedução dos gastos com benefícios do Imposto de Renda e têm, como contrapartida, a obrigação de oferecer aos seus funcionários refeitórios no local de trabalho ou lhes conceder benefícios (VA/VR).
- O PAT fornece benefícios alimentícios para cerca de 56% dos trabalhadores CLT, segundo pesquisa da CLA Consultoria Econômica. Mas os empregados não podem escolher o cartão de benefício (a bandeira) pela qual recebem o vale nem a rede credenciada.
- Regulamentação reduziria as taxas cobradas pelo mercado de benefícios, diminuindo a pressão sobre os preços dos alimentos.
- Os maiores impactos sobre a inflação de 2024 vieram do grupo Alimentação e Bebidas, que acumulou alta de 7,69%, enquanto a inflação total acumulou 4,83% em 2024.
- Assunto é estratégico para o governo Lula, que está com a popularidade em baixa.
Em 2022, uma lei instituiu a portabilidade do cartão de benefícios de alimentação. Na prática, a medida permite ao funcionário de uma empresa escolher a gestora de seu vale. Hoje, essa tarefa cabe ao departamento de recursos humanos (RH) do empregador. A regulamentação dessa lei, porém, ainda não saiu por discordâncias entre empregadores e o governo federal.
Em suma, são dois temas que precisam ser regulamentados:
- Permissão de portabilidade gratuita (possibilidade de os consumidores optarem pela bandeira), por meio de solicitação expressa do trabalhador;
- Interoperabilidade entre os arranjos aberto e fechado, com o objetivo de compartilhar a rede credenciada de estabelecimentos e permitir que uma única máquina de cartão passe todos os benefícios.
O mercado alega que as altas taxas cobradas por estabelecimentos geram aumento no nível médio dos preços das refeições, já que elas são repassadas ao consumidor. É daí que vem a ideia de que a pressão dos alimentos seria reduzida.
Segundo pesquisa da LCA Consultoria, a queda da taxa dos vouchers de 7% para 2% pode gerar uma economia anual de R$ 5,21 bilhões para o setor de bares e restaurantes, um valor equivalente ao PIB do município de Olinda (PE).
Ainda de acordo com a pesquisa, com as mudanças na lei, mais empresas teriam incentivos para participar do PAT. Desse modo, até 1,7 milhão de trabalhadores poderiam ser incluídos no programa.