“Ambientais, que incluem não só o boom, mas também o ruído de aeroportos e as emissões em solo e em altitude. De eficiência, como o alto consumo de combustível, o peso e a complexidade de manutenção. E operacionais, que envolvem a integração desses aviões ao espaço aéreo ocupado por jatos comerciais subsônicos, além da necessidade de novas regulações claras”.
Na fábrica da Lockheed Martin, o nariz do X-59 é preparado para testes; é ele que ajuda a transformar o boom em um simples “baque distante”. — Foto: Lockheed Martin
Entre outubro de 2024 e janeiro de 2025, a NASA completou com sucesso três fases de testes do motor F414-GE-100 modificado que equipa o X-59.
Os testes incluíram verificação de vazamentos, avaliação de potência máxima e validação da resposta instantânea do motor.
Em julho de 2025, o X-59 fez seus primeiros testes de taxiamento, movendo-se pela primeira vez sob sua própria propulsão na pista da fabricante da aeronave, a Lockheed Martin, em Palmdale, na Califórnia.
Mas o primeiro voo será conservador: terá aproximadamente uma hora de duração, percorrerá 386 km/h e 3.600 metros de altitude, partindo de Palmdale e pousando no Armstrong Flight Research Center.
De forma geral, o programa está estruturado em três fases:
- Fase 1 (2025): Realização dos primeiros voos em ambiente controlado na Base Edwards e no Centro Armstrong. É nesse etapa que haverá um aumento gradual da velocidade do modelo até ele alcançar o voo supersônico.
- Fase 2 (2026): Validação acústica em campo de testes restrito, com medições detalhadas para confirmar se o X-59 realmente produz o “sussurro supersônico” previsto.
- Fase 3 (2026-2028): Testes sobre comunidades selecionadas, com coleta de dados sobre percepção humana e medições técnicas de ruído.
Modelo em escala do X-59 é testado em túnel de vento pela NASA para reduzir o ruído dos voos supersônicos. — Foto: NASA Glenn Research Center/Quentin Schwinn
Mas apesar dos avanços, o Quesst vem enfrentando custos crescentes e atrasos nos últimos meses.
O orçamento total da empreitada já chega a US$ 838,6 milhões (cerca de R$ 4,5 bilhões), um aumento de 80% em relação à estimativa inicial de 2018.
E os obstáculos foram variados. Em testes estruturais, surgiram problemas de controle de voo que precisaram ser resolvidos e a própria montagem do X-59 se mostrou desafiadora por reunir peças originalmente criadas para diferentes aeronaves, o que aumentou a complexidade da integração.
Fora isso, a pandemia acrescentou mais atrasos ao comprometer a cadeia de suprimentos de peças e equipamentos.
Agora estamos em um momento muito empolgante para o X-59 e para a missão Quesst. Estamos prestes a passar da fase de fabricação e testes em solo para a etapa de voo.
— Peter Coen, gerente de integração da missão Quesst.
Ao longo das próximas fases, o X-59 deve acumular voos e medições até que um quadro robusto de dados esteja disponível para análise pelos reguladores internacionais.
A NASA, contudo, não promete bilhetes mais baratos nem conexões entre Nova York e Tóquio em poucas horas (em tese, o X-59 é tão rápido que poderia fazer esse percurso em cerca de três horas e 44 minutos).
Mas várias empresas privadas também disputam espaço nesse novo capítulo da aviação e já anunciaram projetos de jatos supersônicos comerciais, na expectativa de que os testes do X-59 ajudem a flexibilizar as regras atuais.
Concepção artística mostra o X-59 em sua configuração final, após anos de pesquisa e design da NASA e da Lockheed Martin. — Foto: Lockheed Martin
A Boom Supersonic, considerada a mais ambiciosa do setor, vem desenvolvendo por exemplo o Overture, avião projetado para levar entre 65 e 88 passageiros em rotas transoceânicas.
A promessa da empresa é reduzir o tempo de viagem pela metade em trechos como Nova York–Londres, apostando em parcerias com companhias aéreas e em contratos de pré-venda que já somam dezenas de unidades.
Outra concorrente é a Spike Aerospace, que tem um perfil mais voltado ao mercado executivo. O projeto da empresa, o S-512, prevê um jato de luxo para até 12 passageiros, com foco em empresários e autoridades.
Outras companhias, como a Aerion, que encerrou as operações em 2021, também chegaram a investir no setor.
Todas essas iniciativas, no entanto, dependem de um mesmo fator: os resultados do X-59.
Vista da entrada de ar do motor do X-59, posicionada no topo da fuselagem para ajudar a reduzir o impacto do estrondo supersônico. — Foto: Lockheed Martin
Sem os dados de ruído e impacto social que a missão Quesst pretende fornecer, será difícil convencer reguladores a derrubar uma norma que vigora há mais de 50 anos e que proíbe voos supersônicos sobre áreas terrestres nos Estados Unidos e em boa parte do mundo.
No Brasil, voos supersônicos sobre cidades e áreas habitadas são proibidos, salvo em missões militares ou operações autorizadas de forma especial. A restrição é baseada no Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei nº 7.565/1986) e em normas complementares fiscalizadas pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC).
E apesar dos avanços tecnológicos, o programa do X-59 também enfrenta críticas relacionadas ao impacto ambiental potencial de toda essa aviação supersônica comercial em um futuro próximo.
Pesquisas indicam que aeronaves do tipo consomem entre 4 a 9 vezes mais combustível por quilômetro-passageiro do que aeronaves subsônicas.
Além disso, voar a altitudes superiores a 15.000 metros (contra 9.000 a 12.000 metros dos aviões convencionais) amplifica os efeitos climáticos das emissões.
Coen reconhece essas preocupações, mas enfatiza que a NASA está investindo em pesquisa de combustíveis sustentáveis e tecnologias de eficiência energética.
A partir daí, caberá à indústria privada decidir se haverá mercado viável para uma nova geração de supersônicos.
“Embora o foco atual da NASA seja na barreira para voo supersônico silencioso sobre terra, fizemos avanços significativos nessas outras barreiras no passado e ainda estamos conduzindo pesquisas”, conclui Coen.
O X-59, avião experimental da NASA, aparece na pista em Palmdale (EUA) ao nascer do sol, logo após receber a pintura final. — Foto: NASA/Steve Freeman