Universitária vítima de estupro fala sobre dor dos dias seguintes ao crime: ‘Fiquei uma semana quieta, imóvel’
A estudante de medicina de 24 anos vítima de um estupro após uma festa na cidade de Fortaleza relatou como foram os dias dela após o crime. A jovem vive em João Pessoa e foi dopada com a substância conhecida como ‘boa noite cinderela’ na capital cearense. A jovem conta que ficou sem reação, em uma espécie de “estado de loucura” por uma semana, e disse que não consegue mais sorrir, e também não anda sozinha.
A jovem é natural de São Paulo, mas vive na Paraíba desde 2014 . Ela viajou para Fortaleza para curtir uma festa na cidade e também conhecer pontos turísticos da capital cearense. O crime contra ela aconteceu no dia 16 de julho.
O caso está sendo investigado pela Polícia Civil do Ceará. A vítima, cuja identidade vai ser preservada, só foi à delegacia em João Pessoa, quando retornou à cidade dois dias depois. O estupro aconteceu num domingo, ela conseguiu voltar à Paraíba na terça-feira (18) e na quarta-feira (19) compareceu à Central de Polícia de João Pessoa. Prestou uma série de depoimentos, realizou exames de corpo de delito, foi encaminhada ao Hospital Cândida Vargas. Depois, registrou ocorrência de forma online na polícia cearense. A Polícia Civil da Paraíba, inclusive, confirmou que todo o caso será encaminhado para o Ceará, local do crime.
O que ela pede para falar, contudo, é sobre o pós-estupro. Algo que, segundo a jovem, ninguém fala muito no dia a dia:
“As pessoas falam muito do abuso em si, mas o pós é terrível. Fiquei uma semana quieta, imóvel, numa espécie de estado de loucura. Olhava para o teto e não via sentido em nada”, desabafa.
A estudante diz que lembra de tudo até certo momento da noite. Chegou com as amigas no local da festa, foi para uma área vip que elas tinham acesso, bebeu um pouco. Depois, porque o local estava muito cheio, elas procuraram e conseguiram uma mesa próxima à pista de dança. Nesse momento, já não estava mais bebendo. Tomava água de coco para se hidratar. Deixou o copo na mesa e se voltou à bolsa para pegar o celular, a fim de fazer um vídeo do show que acontecia no palco. Deu um novo gole de água de coco, e disse que a consciência começou a fraquejar.
Ela conta que na quarta-feira (19), em meio aos exames realizados no Cândida Vargas, foi identificado em seu organismo a substância “maleato de midazolam”, um forte sedativo usado em casos graves de desconforto ou dores extremas e muito utilizado justamente em casos de estupro.
Foi isso o que fez ela perder gradativamente a consciência. Quando começou a passar mal, uma amiga sugeriu que a vítima fosse para casa, no que ela aceitou. A amiga começou a conduzi-la em direção a um táxi, quando um homem se ofereceu a ajudar, dizendo que também estava indo embora e a levaria até o veículo.
Quando a estudante entrou no táxi, no entanto, o homem entrou junto, mesmo sob os protestos dela:
“Apesar do meu estado, provocado pelo remédio, eu lembro que eu dizia ‘não’ a todo o momento. Eu lembro que disse o meu endereço para o taxista, mas ele preferiu ouvir o outro homem que estava no local”, afirma indignada .
Ela explica que repetiu o endereço várias vezes, e suspeita inclusive que o abusador deve ter tentado desqualificá-la. Algo do tipo “está bêbada, não liga para ela”. Mas que, se as mulheres fossem mais ouvidas, esse tipo de crime não aconteceria tão frequentemente.
“O motorista me ignorou completamente. Eu simplesmente não fui ouvida”, lamenta.
A estudante explica também que ficou muito machucada, com lacerações nos dedos das mãos e dos pés, num caso típico de quem resistiu muito para ir até onde o homem a levava. E que se impressiona com a certeza da sensação de impunidade do agressor.
“Ele me levou, ao que parece, para o próprio apartamento dele”, explica.
Ela comenta que lembra de alguns “flashs” tudo meio turvo ao longo da madrugada, e que acordou pela manhã completamente despida, ao lado de outros homens que ela nunca tinha visto (não sabe dizer se também foi estuprada por eles). E que o homem que a levou até aquele local ainda adotou um discurso meio agressivo, intimidador.
A jovem, no entanto, só queria ir embora. Recolheu as suas roupas, vestiu-se, procurou o celular. Não encontrou (descobriria depois que foi furtado). Lembrou o perfil da amiga no Instagram e mandou uma mensagem pelo celular do dono da casa. Essa é a única pista que ela tem sobre o possível estuprador. Ainda assim, uma pista importante, ressalta.
“Não faz sentido”
Não precisou de muito tempo para a estudante perceber que algo estava errado. Que aquilo o que aconteceu não poderia ser descrito como sexo consensual. Ainda assim, ela não foi imediatamente à delegacia, em Fortaleza.
“Eu tinha medo de ser humilhada. Um medo que, soube depois, não é só meu”, relata.
A mulher, então, ligou para a mãe, contou o que tinha acontecido, pediu ajuda. A previsão inicial era de a viagem durar bem mais, mas a vítima conseguiu retornar para casa apenas alguns dias depois e logo em seguida procurou a polícia.
Após toda a parte policial, ela foi enviada para o hospital. É sobre esse pós que ela está mais impactada: “Pelos riscos de ser contaminada com HIV, eu preciso tomar medicamentos muito fortes ao longo de todo um mês. Eu passo três horas por dia passando mal”, descreve.
A questão biológica, contudo, não é o único problema. Ela fala de medo.
“Eu sempre fui uma pessoa muito alegre, sempre ri muito, mas desde então eu não consigo mais sorrir. Eu não consigo mais andar sozinha. Eu tenho medo de chegar perto de qualquer homem estando sozinha”, confessa.
Ela diz que viveu um período de “estado de inconsciência consciente”. Porque, ao tempo que não conseguia responder pelos seus atos, seguia passivamente se locomovendo.
A estudante relata ainda que identificou muitas marcas roxas e muitos machucados ao longo do corpo. Mas que, o que de fato lhe maltrata, é a forma como isso mexeu consigo nas semanas seguintes. Algo que, tal como ela percebe, vai ser para sempre.
“Estou passando por um período de solidão. Eu não tenho mais forças físicas e mentais. Não tenho mais coragem de fazer atividades que antes eram simples, como correr na praia ou passear com meu cachorrinho. A dor que eu estou sentido é tão horrível, que nada mais parece me provocar sofrimento”, descreve.
A vítima, no entanto, pondera que está fazendo terapia. Mas que, embora isso seja importante, ela ainda não tem respostas sobre o futuro. “A gente fica sem saber como seguir a vida. Afinal, como é que vai ser a partir de agora?”, questiona. Estou tentando me reconectar comigo mesma”, completa.
Por fim, ela explica o que pretende com tudo isso. “Eu quero justiça, claro. Mas eu quero também alertar e ajudar outras mulheres”, encerra.
G1PARAÍBA