Réus de 8/1 farão curso para aprender sobre submissão militar aos poderes civis e crimes da ditadura
O Ministério Público Federal (MPF) inclui nas cláusulas dos acordos de não persecução penal (ANPP) feitos com réus dos atos de 8 de janeiro a obrigatoriedade de que eles façam um curso intitulado “Democracia, Estado de Direito e Golpe de Estado”.
O curso discute conceitos amplos sobre a democracia contemporânea, como a submissão das Forças Armadas aos Poderes Civis constituídos. O conteúdo se aprofunda em abordagens sobre o que é um golpe de estado e uma ditadura militar, além de tratar sobre violações de direitos humanos e crimes contra a humanidade ocorridos nos regimes militares brasileiros. A recente Lei 14.197/2021, que trata de crimes contra o Estado Democrático de Direito, também será explorada.
O curso foi elaborado pela Escola Superior do Ministério Público da União e prevê “carga horária de 12 horas, distribuídas em quatro módulos temáticos de 3 horas (veja abaixo o sumário executivo do curso).
“Tratamos não apenas de questões relacionadas ao golpe de estado em si, mas também da divisão de poderes no Brasil, o funcionamento dos poderes e do regime democrático”, disse a CNN o o diretor-geral adjunto da Escola Superior do Ministério Público da União e orientador pedagógico do curso, Manoel Jorge e Silva Neto.
De acordo com ele, um dos principais temas abordados é o conceito de “democracia defensiva”.
“A democracia defensiva é uma teoria criada a partir do direito constitucional alemão que significa que regime democrático precisa encontrar formas para impedir sua própria destruição. Ninguém portanto pode usar princípios democráticos para atacar a democracia, ninguém pode usar direitos constitucionais e democráticos contra a própria democracia. E interessante que essa foi a ideia basilar utilizada pelo Supremo para desenvolver as primeiras condenações contra os réus do 8 de janeiro”, afirmou.
A ideia de obrigar os réus a fazerem o curso como parte dos acordos, segundo ele, é garantir o aspecto pedagógico da medida, além de contribuir para o processo de consolidação do Estado Democrático de Direito.
A inclusão do curso foi inspirada em uma sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos referente a guerrilha do Araguaia que obrigou o Brasil a adotar um programa de educação em direitos humanos permanentes dentro das Forças Armadas.
Segundo a Procuradoria-Geral da República, até agora já foram apresentadas 1.413 denúncias contra envolvidos nos atos de 8 de janeiro. Desses, mais de 1.100 são referentes a crimes mais leves e, portanto, passíveis de acordo. No entanto, por enquanto fecharam acordos 263 réus, dos quais 38 já foram homologados pelo STF em dezembro e, portanto, esses réus já estão livres para fazer o curso.
Além do curso, os acordos preveem:
- 300 horas de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas;
- pagamento de multa a depender do patrimônio do acusado;
- proibição de participação em redes sociais abertas até a extinção da execução das condições do acordo;
- cessar as práticas delitivas objeto da ação penal e não ser processado por outro crime ou contravenção penal até a extinção da execução das condições do acordo;
- declaração de que não celebrou transação penal, acordo de não persecução penal ou suspensão condicional do processo nos últimos 5 anos, nem que está sendo processado por outro crime.
O formato dos acordos de não persecução penal é recente na legislação penal brasileira. Foi incluído pela Lei 13.964 de 2019, também conhecida como “Pacote Anticrime”. O artigo 28-A desta lei prevê que “não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”.
Nesse sentido, é preciso que haja uma confissão e que os crimes cometidos tenham pena inferior a quatro anos. Para a PGR, a ampla maioria dos manifestantes do 8 de janeiro se enquadram nesse caso. São os que foram detidos no acampamento em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília.
Eles teriam cometido dois tipos de crime: associação criminosa (artigo 288 do Código Penal) e incitação ao crime (Artigo 286, parágrafo único, do Código Penal). A avaliação é que os detidos incitaram “publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade”.
Veja o sumário executivo do curso:
Democracia (módulo 1)
- Origem e desenvolvimento histórico
- Democracia Contemporânea
- Democracia e a evolução dos direitos humanos
- Democracia e direitos civis, políticos, econômicos e sociais
- Democracia e direitos fundamentais
Estado de Direito (módulos 2 e 3)
- Origem e desenvolvimento histórico
- Conceito contemporâneo de Estado de Direito
- Poder Legislativo
- Poder Executivo
- Poder Judiciário
- Supremo Tribunal Federal
- Submissão das Forças Armadas aos Poderes Civis constituídos
Golpe de Estado (módulo 4)
- Conceito de golpe de Estado
- Ditadura militar
- Violações de Direitos Humanos e crimes contra a humanidade nos regimes militares brasileiros
- Comissão da Verdade
- Crimes contra o Estado Democrático de Direito (Lei 14.197/2021)
CNN Brasil