Oito em dez universidades dos EUA reduziram número de alunos negros com fim das ações afirmativas
Um ano depois de a Suprema Corte dos Estados Unidos proibir o uso de critérios raciais em processos de admissão das universidades, ao menos 33 instituições americanas, várias delas de elite, divulgaram, pela primeira vez desde o ato controverso, dados das matrículas de novos alunos.
Embora a maior parte tenha registrado queda de alunos negros, a diminuição desse grupo foi, em alguns casos, menor que o esperado, o que deve motivar novas rodadas de batalhas judiciais sobre o tema.
Dados compilados pelo think tank Education Reform Now mostram que o número de novos alunos negros é menor do que a média de anos anteriores em 26 das 33 universidades analisadas.
Instituições conceituadas como a Universidade Johns Hopkins e o MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) estão entre as que registraram quedas mais expressivas no quadro de alunos desse grupo: de 66,1% e 64,3%, respectivamente.
Desafiando as expectativas, outras instituições apresentaram estabilidade no número de estudantes negros, caso da Universidade Princeton (-1,1%), em Nova Jersey. A composição desse grupo até aumentou em seis delas, incluindo em Yale (4%).
Segundo especialistas, essas universidades tiveram êxito em implementar medidas pró-diversidade a despeito da decisão que baniu o critério racial na admissão. A proibição foi determinada em junho de 2023 após ações movidas contra Harvard e Universidade da Carolina do Norte, acusadas de discriminar alunos brancos e de ascendência asiática em favor de negros, hispânicos e indígenas, o que as instituições negam.
Ativistas e especialistas logo projetaram que a decisão da mais alta corte do país, de maioria conservadora, mudaria de maneira significativa a composição racial nas universidades, prejudicando o acesso de minorias à educação superior.
Para mitigar o impacto da medida, instituições fizeram mudanças em seus processos de admissão, implementando políticas que focam a classe social, como iniciativas para atrair alunos de áreas rurais e programas que preveem isenção de mensalidade para estudantes de baixa renda.
Mas o efeito dessas novas políticas não está claro. Em paralelo, grupos conservadores já questionam as universidades que conseguiram manter o percentual de alunos negros e hispânicos, sugerindo que algumas instituições podem ter burlado a determinação da Suprema Corte.
Um dos métodos que causa polêmica é a aplicação de questionários em que os candidatos podem escrever sobre o impacto da raça em suas experiências pessoais. Embora a técnica tenha sido validada na decisão da Suprema Corte, críticos dizem que ela pode ser uma forma de subverter a proibição do uso de critérios raciais, o que coloca a questão no alvo de possíveis novos litígios.
Especialistas afirmam, porém, que é preciso ter cautela na comparação dos números. Trata-se do primeiro ano em que as instituições compilam dados após a decisão da Suprema Corte, e os critérios de divulgação não foram padronizados. Existem também diferenças de metodologia entre as universidades.
Algumas consideraram apenas uma raça e etnia para cada aluno, enquanto outras usaram um sistema de autodeclaração no qual os estudantes podiam marcar mais de uma opção e, assim, foram contabilizados mais de uma vez.
Chama a atenção a diminuição do percentual de alunos brancos e asiático-americanos, que em tese estariam sendo protegidos pela determinação da Suprema Corte, em várias das universidades analisadas. Uma das hipóteses para explicar essa queda é uma distorção estatística: como o aluno não é mais obrigado a declarar sua identificação racial, ele pode “estar invisível” no censo da instituição.
Os hispânicos sofreram impacto menor que os negros. Isso pode ser explicado, em parte, pelo crescimento mais acelerado desse grupo nos EUA, dizem especialistas. Segundo o governo americano, de 2022 a 2023, os hispânicos foram responsáveis por 71% do crescimento geral da população do país.
Antes da decisão da Suprema Corte, nove estados já impediam o uso de ações afirmativas a partir de leis ou decisões judiciais locais.
“Dados indicam que muitos alunos se tornaram menos propensos a relatar sua raça após a proibição da ação afirmativa, mas quase todos eles eram brancos ou asiáticos; a probabilidade de alunos negros e hispânicos declararem sua raça permaneceu inalterada”, diz Zachary Bleemer, professor de economia de Princeton que estuda ações afirmativas e segundo o qual a decisão da Suprema Corte deve prejudicar a diversidade nos campi.
Diferentemente do Brasil, as cotas raciais já eram proibidas nos EUA.
As instituições de ensino americanas, porém, podiam criar formas de estimular a entrada de estudantes negros e hispânicos. Enquanto a maioria das universidades brasileiras usa apenas o vestibular como critério, as americanas podem utilizar, além de uma prova, o histórico escolar e cartas de apresentação e recomendação. Assim, é comum que o processo seja menos objetivo, sobretudo porque muitas não divulgam seus métodos.
No Brasil, lei de 2012 que reserva metade das vagas em instituições federais para cotas (divididas entre critérios raciais e sociais) já teve sua constitucionalidade confirmada pelo Supremo Tribunal Federal.
“Ter uma experiência educacional diversificada leva a um maior aprendizado porque você é exposto a diferentes perspectivas”, diz Wil Del Pilar, vice-presidente da Ed Trust, um think tank com foco em barreiras raciais e econômicas na educação. “Ter um ambiente de aprendizagem diverso é importante para a democracia uma vez que todos devem acreditar que podem contribuir com a sociedade.”
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