O Supremo Tribunal Federal (STF) vai voltar a analisar se é possível aplicar a tese do marco temporal na demarcação de terras indígenas. O julgamento do recurso sobre o caso retorna a pauta da sessão do plenário desta quarta-feira (20).
- ⚠O grupo antigo será desativado. Mesmo que você já faça parte da nossa comunidade, é preciso se inscrever novamente.
Será a décima sessão sobre o tema, que começou a ser deliberado em agosto de 2021.
Cinco ministros ainda vão apresentar suas posições: Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Rosa Weber.
O STF terá cadeiras para 100 indígenas dentro do plenário; 500 indígenas podem acompanhar do lado de fora.
Até o momento, há quatro votos contra a aplicação do critério na definição das áreas ocupadas pelos povos originários. Seguiram nesta linha os seguintes ministros:
- o relator, ministro Edson Fachin;
- o ministro Alexandre de Moraes;
- o ministro Cristiano Zanin;
- o ministro Luís Roberto Barroso.
Há dois votos no sentido de validar o uso do marco temporal como um requisito objetivo para a concessão das áreas ao uso indígena:
Há, até o momento, quatro propostas de tese — sugestões que sintetizam os entendimentos da Corte sobre um tema. Estas propostas serão analisadas pelo plenário até a conclusão do julgamento.
Três sugestões têm como ponto central o entendimento de que a fixação de um marco temporal para a demarcação das terras indígenas viola a Constituição. Uma usa a tese como base para orientar a definição das áreas.
Apresentaram propostas o relator, ministro Edson Fachin; e os ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin e André Mendonça.
Além da divergência em relação à validade do marco temporal, os ministros também apresentam soluções diferentes para a indenização de não-indígenas que ocupam atualmente áreas dos povos originários e para a compensação aos indígenas quando já não for mais possível conceder a área reivindicada.
O g1 reuniu as informações sobre os votos apresentados até agora.
Voto de Edson Fachin
Primeiro a votar, o relator Edson Fachin defendeu que a posse indígena não se iguala à posse civil e não deve ser investigada sob essa perspectiva, e, sim, com base na Constituição – que garante a eles o direito originário às terras.
“Autorizar, à revelia da Constituição, a perda da posse das terras tradicionais por comunidade indígena, significa o progressivo etnocídio de sua cultura, pela dispersão dos índios integrantes daquele grupo, além de lançar essas pessoas em situação de miserabilidade e aculturação, negando-lhes o direito à identidade e à diferença em relação ao modo de vida da sociedade envolvente”, afirmou o relator.
Segundo Fachin, “os direitos das comunidades indígenas consistem em direitos fundamentais, que garantem a manutenção das condições de existência e vida digna aos índios” e “a terra para os indígenas não tem valor comercial, como no sentido privado de posse. Trata-se de uma relação de identidade, espiritualidade e de existência”, disse.
Segundo o ministro, “não se desconsidera a complexidade da situação fundiária brasileira, menos ainda se desconhece a ampla gama de dificuldades dos produtores rurais de boa-fé”.
“No entanto, segurança jurídica não pode significar descumprir as normas constitucionais, em especial aquelas que asseguram direitos fundamentais. Não há segurança jurídica maior que cumprir a Constituição,” completou.
Voto de Nunes Marques
Nunes Marques apresentou seu voto em setembro de 2021, logo após o relator Edson Fachin. Abriu divergência, com entendimento favorável à tese. Argumentou que o Supremo já vem reconhecendo o marco temporal — por exemplo, na decisão tomada ao julgar o caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (naquela ocasião, a decisão só valeu para aquele caso).
“Esse entendimento pondera valores constitucionais relevantes — de um lado, a proteção, o incentivo à cultura indígena; de outro, a segurança jurídica do desenvolvimento regional, o direito à propriedade privada e o direito ao sustento de outros integrantes da sociedade brasileira”, afirmou.
Segundo Nunes Marques, no caso julgado, não foi comprovada a ocupação indígena tradicional na área reivindicada no caso concreto, em Santa Catarina.
Voto de Alexandre de Moraes
O ministro Alexandre de Moraes apresentou o voto na retomada do julgamento neste ano, em junho. Desempatou no placar, ao acompanhar o entendimento de Fachin contra o marco temporal. Ele afirmou que a adoção da tese pode significar deixar em segundo plano direitos fundamentais. “Afasto a ideia do marco temporal”, declarou no voto.
“Não podemos fechar os olhos a outras situações que eu trouxe aqui da comunidade dos indígenas Xokleng. Da mesma forma que não podemos fechar os olhos para os agricultores que têm suas terras, trabalham nas suas terras”, disse.
Para o ministro, quando há a ocupação indígena na terra ou disputa por ela, a posse deve ser destinada aos indígenas, sendo que os não-indígenas devem ser indenizados por benfeitorias (melhorias) feitas de boa-fé, como prevê a Constituição.
O ministro também sugeriu a possibilidade de compensação dos indígenas com outras terras, caso seja impossível conceder exatamente aquela requerida — por exemplo, quando já há uma cidade no local — e que o poder público seja responsabilizado pela ocupação irregular das áreas.
“A indenização deve ser completa para aquele de boa-fé. Não tinha como saber 130, 160 anos depois. A culpa, a omissão foram do poder público, que precisa arcar para garantir a paz social”, declarou.
O ministro destacou ainda que o tema é uma das questões mais difíceis de ser enfrentada não só no Brasil, mas no mundo.
“É uma questão que juridicamente é complexa, vem gerando insegurança jurídica e a paz social por séculos sem que haja, até hoje, um bom modelo em efetivo a ser seguido”, afirmou. “Nenhum país do mundo conseguiu resolver de forma plena e satisfatória essa questão,” concluiu.
Voto de André Mendonça
Mendonça apresentou o quarto voto no caso, quando o julgamento foi reiniciado, no último dia 30 de agosto. Concluiu que é válido o uso do marco temporal como um critério para a definição de áreas destinadas aos povos originários.
O ministro propôs os seguintes entendimentos:
- o uso do marco temporal — 5 de outubro de 1988 — para avaliação sobre se há direitos originários indígenas sobre as terras reivindicadas;
- os direitos indígenas sobre as áreas serão assegurados em caso de conflito pela posse da terra de forma persistente na data da promulgação da Constituição. Este conflito pode ser físico ou judicial;
- se não for verificado o marco temporal, ou, se não houver disputa à época da promulgação da Constituição, será possível usar outros instrumentos jurídicos para resolver a questão. Entre eles, a criação de reserva indígena, por procedimento de desapropriação, desde que haja consentimento de comunidades dos povos originários envolvidos;
- o laudo antropológico, etapa do processo de demarcação de terras indígenas, deve ser feito por comissão multidisciplinar, “aberta a questionamentos pelas partes interessadas”. O procedimento deve ter participação obrigatória de especialistas indicados pelos estados e municípios envolvidos;
- mudanças nas áreas indígenas, como a ampliação de terras, somente será admitida em casos de irregularidades insanáveis.
Voto de Cristiano Zanin
O ministro Cristiano Zanin desempatou o julgamento, ao conceder o terceiro voto contra a validade do marco temporal na demarcação de terras indígenas
Para o ministro, o “direito congênito” dos indígenas à posse da terra que ocupam tradicionalmente foi garantido em regras no Império e nas Constituições do período republicano, desde 1934.
Além disso, a teoria do indigenato (que assegura o direito aos povos originários) é também prevista em convenções internacionais.
Para Zanin, a demarcação é um ato declaratório, ou seja, que constata um direito que já existe. Mesmo que a terra ainda não esteja demarcada, o reconhecimento posterior não diminui a força deste direito.
O ministro citou que a Constituição previa prazo de cinco anos para a União realizar as demarcações, que não foi cumprido. Diante disso, afirmou que a União deve conferir prioridade às demarcações.
Para Zanin, além das indenizações de boa-fé para os que ocupavam as regiões de povos indígenas, é cabível também responsabilizar o poder público por ter concedido a terra indevidamente aos ocupantes atuais. Mas essa responsabilidade — que pode alcançar União, estados e município — deve ser verificada caso a caso. Se for configurada, pode gerar uma indenização além da que prevista pelas benfeitorias de boa-fé.
Voto de Luís Roberto Barroso
O ministro Luís Roberto Barroso apresentou o quarto voto contra o uso do marco temporal como critério para a demarcação.
Barroso lembrou o julgamento do caso de Raposa Serra do Sol. Assim como Cristiano Zanin, observou que, naquela ocasião, os indígenas não estavam ocupando a área reivindicada, o que mostra que há outras formas de verificar a ocupação tradicional.
“Eu extraio da decisão de Raposa Serra do Sol a visão de que não existe um marco temporal fixo e inexorável e que a ocupação tradicional também pode ser demonstrada pela persistência na reivindicação de permanência na área, por mecanismos diversos”
O ministro considerou que, na demarcação, é preciso prestigiar a posição técnica do laudo antropológico. Citou também o fato de que a União não respeitou o prazo dado pela Constituição para a demarcação.
Barroso ponderou ainda que é preciso indenizar um não-indígena que obteve a terra dos povos originários quando ficar verificada atuação irregular da União, ao conceder uma área que não poderia ser transferida.
G1