O relatório final da investigação da Polícia Federal (PF) sobre uma tentativa de golpe de Estado em 2022, que teve o sigilo derrubado nesta terça-feira (26), tem uma série de falas golpistas das conversas entre os indiciados.
O documento, com mais de 800 páginas, reúne as conclusões da PF sobre uma trama arquitetada pelo entorno do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para frustrar a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em janeiro de 2023. Bolsonaro, segundo o relatório, foi planejador, dirigente e executor dos atos que levariam ao golpe de Estado.
A Polícia Federal indiciou 37 pessoas por envolvimento na suposta tentativa de golpe, entre elas o ex-presidente Bolsonaro. O inquérito foi encaminhado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes à Procuradoria-Geral da República (PGR), que poderá — ou não — apresentar denúncia contra o grupo.
Documento obtido pela PF em um grupo que tramava o golpe dizia que, entre outras medidas, “Lula não subiria a rampa“, em referência à entrada principal do Palácio do Planalto, que é o símbolo do ato de posse de um presidente eleito.
O plano foi encontrado na sede do Partido Liberal, na mesa do coronel Flávio Botelho Peregrino, assessor do general Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa.
O título era “Operação 142”, baseada em uma interpretação distorcida do artigo 142 da Constituição Federal, que trata do papel das Forças Armadas.
De acordo com a PF, o plano indica que havia “uma possibilidade aventada pelos investigados como meio de implementar uma ruptura institucional após a derrota eleitoral do presidente Jair Bolsonaro”.
‘Em 64 não precisou assinar nada’ – Mauro Cid
Mensagem enviada por Mauro Cid inquérito da PF — Foto: Reprodução
Mensagens e documentos obtidos pela PF mostram que, entre as discussões dos indiciados, há menções ao golpe militar de 1964, que culminou em duas décadas de ditadura.
As investigações indicam que o grupo encontrou resistência de militares do Alto Comando, inviabilizando a assinatura e execução do documento golpista. Aliados de Jair Bolsonaro, então, defenderam que a falta de apoio dos comandantes não deveria ser um impedimento para o golpe.
Em trocas de mensagens com o tenente-coronel do Exército Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros, Mauro Cid lembrou o golpe militar de 1964. “Em 64, não precisou ninguém assinar nada“.
‘Rasgaram o documento que o 01 assinou’ – Riva
Conforme a investigação, um possível decreto golpista assinado por Jair Bolsonaro teria sido destruído por integrantes do Alto Comando do Exército.
Durante uma troca de mensagens entre Mauro Cid e Sérgio Cavalieri, capturas de tela de conversas com um interlocutor chamado “Riva” têm detalhes de uma reunião entre Bolsonaro, o vice-presidente Hamilton Mourão, e generais do Alto Comando.
De acordo com Riva, que não foi identificado, durante as negociações os generais decidiram destruir o documento assinado por Bolsonaro, que, segundo ele, poderia ser o decreto golpista. “Rasgaram o documento que o 01 assinou“, escreveu Riva, usando o apelido “01” para se referir ao ex-presidente.
Após esse relato, os militares envolvidos na conversa passaram a atacar integrantes do Alto Comando do Exército, que se opuseram ao golpe. As investigações seguem para identificar detalhes do suposto documento e as circunstâncias que levaram à sua destruição.
‘Tinham tanques no arsenal prontos’ – Riva
Mensagens obtidas pela Polícia Federal revelam que o almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, teria aderido ao plano golpista.
De acordo com o contato identificado como “Riva”, o almirante era considerado um aliado estratégico, descrito como “Patriota”. Riva afirmou em mensagens que “tinham tanques no arsenal prontos”, indicando uma possível preparação militar para apoiar o intento golpista.
Em resposta, o interlocutor sugeriu que Bolsonaro, referido como “01”, deveria ter tomado uma atitude mais decisiva com a Marinha, afirmando que, se isso tivesse ocorrido, “o Exército e a Aeronáutica iriam atrás”.
‘Manda prender todo mundo do TSE e do STF’ – coronel Fabrício de Bastos
Mensagens em que militar compara 2022 a 1964 — Foto: PF/Reprodução
O coronel do Exército Fabrício Moreira de Bastos é investigado como um dos autores de cartas golpistas que tentavam incitar a alta cúpula militar a aderir à ruptura democrática.
“Estão avacalhando demais com ele. E de lambuja com todos os brasileiros. Velho, o cara tem as FA [Forças Armadas] nas mãos e por que permite tudo isso?”, escreveu. “Será que em 64 tínhamos um estado de avacalhação tão grande com a sociedade? Velho, manda prender todo mundo do TSE e do STF”, prosseguiu, na conversa com o coronel Corrêa Netto.
Em resposta, Corrêa Netto disse que o Alto Comando do Exército (“ACE”, na mensagem) “tem sido enfático nas afirmações de que devemos nos manter de fora das disputas políticas”.
Bastos, no entanto, insiste na comparação. “Duvido que em 64 esses esquerdistas tinham tanta liberdade de manobra como agora.”
Ao tratar a falta de apoio dos comandantes das Forças Armadas como um impedimento para o golpe de Estado, o tenente-coronel do Exército Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros, enviou uma mensagem para Mauro Cid: “fomos covardes, na minha opinião.”
O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, concordou. “Fomos todos, do PR [possivelmente uma abreviação do presidente da República] e os Cmt F [comandantes das Forças]”.
‘Precisamos ter um prazo para que isso aconteça’ – general Mario Fernandes
Classificado pela PF como um dos mais radicais do grupo golpista, a investigação apontou que o general Mário Fernandes “promoveu ações de planejamento, coordenação e execução de atos antidemocráticos” antes das eleições de 2022.
Fernandes foi preso na operação Contragolpe na semana passada. Ele fez uma citação ao golpe de 1964 em uma reunião.
“Daqui a pouco nós estamos nas vésperas do primeiro turno, e aí, com a própria pressão internacional, a liberdade de ação do senhor e do governo vai ser bem menor. A população vai começar a acreditar que ‘não, então tá tranquilo, o governo não tomou a medida mais radical, tá tranquilo’…”, afirmou Fernandes no encontro. “Então acho que realmente, nós precisamos ter um prazo para que isso aconteça”, disse.
A Polícia Federal revelou que um de seus agentes, Wladimir Matos Soares, foi preso sob acusação de se infiltrar na segurança do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva para repassar informações sensíveis a um grupo golpista.
Em tom enfático, afirmou: “Eu e minha equipe estamos com todo equipamento pronto p ir ajudar a defender o PALÁCIO e o PRESIDENTE. Basta a canetada sair!” A frase evidencia sua adesão à tentativa de ruptura institucional, que estava em andamento naquele período.
A investigação aponta que as ações de Wladimir demonstram não apenas quebra de dever funcional, mas também uma clara participação nas articulações golpistas. A descoberta veio à tona após análises do material apreendido em posse de Sérgio Rocha Cordeiro, capitão da reserva do Exército e assessor especial do Gabinete Pessoal do Presidente da República.
De acordo com a investigação, Wladimir forneceu detalhes estratégicos sobre o esquema de segurança de Lula.