O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve apresentar nesta semana os resultados da consulta pública de avaliação e reestruturação da política nacional de ensino médio, aprovada em 2017 pelo Congresso Nacional. A revogação é descartada pelo Ministério da Educação, que avalia implementar mudanças na estrutura do programa. Uma das medidas discutidas é o aumento da carga horária das disciplinas comuns.
Pela proposta, poderiam ser usadas 300 das 1.200 horas das disciplinas optativas para essa adequação. Outra mudança que é analisada pelo Executivo federal é a elaboração da base dos itinerários formativos para reforçar o uso de uma orientação comum nacional que amenize a desigualdade entre as redes de ensino do país.
O novo ensino médio prevê que os estudantes tenham uma formação básica, pautada na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), e uma formação específica, por meio dos chamados itinerários formativos. Cerca de 60% da carga horária passa por conteúdos obrigatórios comuns a todos os alunos, como português e matemática. O restante é a parte diversificada, com percursos optativos em cinco áreas.
Após a vitória nas urnas de Lula, movimentos estudantis e outras entidades, inclusive de professores, vêm pressionado o governo a revogar as novas regras. A principal reclamação é que o modelo proporciona uma maior desigualdade entre os alunos e desfavorece quem estuda em escolas em situação precária.
“Eu concordo que há problemas sérios na implantação e houve uma omissão do ministério nesse aspecto, mas vejam bem, como é que nós vamos tomar a decisão de simplesmente revogar? Revogar significa que o Congresso revoga ou que o presidente da República manda uma medida provisória. O ministro não tem poder de revogar lei”, disse Camilo Santana durante audiência na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados em abril deste ano.
No mesmo mês, o governo informou sobre a suspensão da implementação do novo ensino médio por haver erros do poder público no processo de execução do formato. O ato tinha a duração de 90 dias. Na sequência, foi aberta uma consulta pública sobre a reestruturação do novo modelo de ensino médio.
Uma das maiores preocupações de Santana é com o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que será aplicado em 5 e 12 de novembro. “Nós estamos muito preocupados com o Enem porque está havendo distorções. Há diferenças na implementação do novo ensino médio entre os estados. Há estados em que a implementação está mais avançada, e outros que não conseguiram implantá-lo. Há também diferença na implantação entre estabelecimentos de ensino públicos e privados”, afirmou.
O novo ensino médio
O novo ensino médio foi aprovado por lei em 2017 com o objetivo de tornar a etapa mais atrativa e evitar que os estudantes abandonem os estudos.
Em uma parte da formação, os próprios alunos poderão escolher um itinerário para aprofundar o aprendizado. Entre as opções está dar ênfase, por exemplo, às áreas de linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas ou ao ensino técnico. A oferta de itinerários depende da capacidade das redes de ensino e das escolas em cada lugar do país.
Estudo do IPEA
Um estudo publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) avaliou a implementação do novo ensino médio em escolas do Ceará, Goiás e Paraná. O documento foi elaborado neste ano por Carolina Esther Kotovicz e Rolon Milko Matijascic. Entre as conclusões, destacam-se a falta de clareza nas orientações para efetivar o modelo e a necessidade de maior investimento em formação de professores.
Os estados têm liberdade para aplicar as mudanças do ensino médio. Em Goiás, o tempo dedicado à formação básica domina o primeiro ano e o núcleo de flexibilização aumenta ao avançar no nível de ensino, sendo 280 horas da parte diversificada no 1° ano, 600 horas no 2° ano, e 620 horas no 3°, de acordo com o estudo do IPEA.
No Ceará, o aluno cursa a disciplina projeto de vida e eletivas no primeiro ano. No segundo ano, ele escolhe qual trilha deseja seguir.
No Paraná, o primeiro ano conta com três disciplinas obrigatórias da parte diversificada do currículo — pensamento computacional, educação financeira e projeto de vida.
Um dos argumentos expostos pelos pesquisadores é que o novo ensino médio introduz a diversificação curricular, mas fragiliza o conceito da modalidade como parte da educação básica. A carga horária destinada à formação básica fica reduzida a 1.800 horas. Antes, 2.400 horas eram destinadas à formação geral.
Outro ponto destacado pelo instituto é a falta de estrutura das redes de ensino estaduais. As escolas de ensino médio ainda não permitem a implementação de todos os itinerários formativos, o que limita o poder de escolha dos alunos, ou pior, impondo uma única opção.
O documento cita que as parcerias com organizações sociais e fundações representam uma forma disfarçada de privatização da educação. As entidades podem firmar convênios para prestar serviços e assessorias, com a finalidade de qualificar a oferta do ensino médio.
Os críticos apontaram ainda que o corpo docente atual não foi formado para trabalhar por área do conhecimento, como demanda o novo ensino médio, pois os cursos de licenciatura são organizados por disciplinas científicas. Além disso, a interdisciplinaridade demandada nas propostas requer mais tempo de planejamento, diz o estudo.
“A oferta dos estados deve ser acompanhada, fomentada, orientada e monitorada em sua implementação pela esfera federal de governo, com vistas a diminuir as desigualdades. Os três estados que aceitaram participar da pesquisa têm experiências ricas, mas eles figuravam, também, entre os melhores IDEB [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica] do ensino médio em 2021. Outras redes estaduais podem apresentar maiores fragilidades para implementar o novo ensino médio, sendo essencial oferecer maior suporte às escolas com materiais didáticos dirigidos, formação de professores e pesquisas para organizar a oferta de itinerários”, argumentam os pesquisadores.
“As escolas pesquisadas reforçaram a importância dos recursos federais transferidos, e a necessidade de aportes maiores para garantir a oferta de qualidade. As carências são múltiplas e, para assegurar a equidade na oferta do novo ensino médio nas escolas de todo país, é necessário, além de dar fomento, estabelecer o diálogo para entender as dificuldades, além de garantir a transparência das ações via prestação de contas”, diz o texto.
R7