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Governo deixa R$ 20 bilhões da poupança estudantil fora do teto; ‘ginástica fiscal’, dizem economistas

A criação do programa de poupança estudantil para reduzir a evasão escolar de alunos de baixa renda no ensino médio divide opiniões entre economistas. O motivo é como o governo prevê financiar o fundo, que considera um aporte de até R$ 20 bilhões da União, mas com desdobramentos que fogem do novo limite de gastos estabelecido pelas regras fiscais. Na avaliação de especialistas ouvidos pelo R7, a estratégia é vista como uma “ginástica fiscal” que gera instabilidade jurídica, sobretudo ao mercado.

A proposta vai viabilizar que os recursos existentes no Fundo Social (que guarda os royalties da extração de petróleo) sejam direcionados à educação, especialmente para incentivar a permanência na escola de estudantes em situação de vulnerabilidade social que estejam regularmente matriculados no ensino médio e inscritos no CadÚnico, com renda per capita igual ou inferior a R$ 218.

governo federal quer que a poupança comece a ser paga em março deste ano. O anúncio foi feito pelo ministro da Educação, Camilo Santana, nessa terça-feira (9), após reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Um ato conjunto dos ministérios da Educação e da Fazenda definirá valores, formas de pagamento, critérios de operacionalização e uso da poupança de incentivo à permanência e conclusão escolar. Os valores serão depositados em conta a ser aberta em nome do estudante, que poderá ser a poupança social digital da Caixa Econômica Federal. A expectativa é que 2,5 milhões de jovens sejam apoiados com o recurso.

Congresso aprovou o PLP 243/23, que retira do limite de gastos as despesas com o programa. No Senado, os parlamentares da oposição argumentaram aumento no rombo nas contas públicas e conseguiram um acordo limitando os gastos do programa a R$ 6 bilhões.

“Evidente que é meritório tratarmos da evasão escolar, mas nos preocupava a forma como o projeto foi apresentado, através de uma medida provisória que aumenta em cinco vezes o custo inicial de um programa e estabelece fontes de financiamento pretéritas, demonstrando claramente que o governo passaria um cheque em branco”, disse o líder da oposição, senador Rogério Marinho (PL-RN).

Avaliações

Apesar de destacar que a proposta possui um valor social importante, o economista Hugo Garbe avalia que o governo “fez uma manobra, mudando a nomenclatura ao chamar de fundo, e extrapolando o teto de gastos”. “A intenção teoricamente é positiva, mas o mercado e a economia não vivem de intenção, mas de realidade. E a realidade é que há aumento de gasto público, o que gera uma desconfiança do mercado e aumento da inflação”.

O economista Marcos Cintra, especialista em política fiscal e tributária do Brasil e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), vê com preocupação a conduta do governo. “Vejo um enfraquecimento crescente e paulatino de qualquer disciplina fiscal e isso vai cobrar um preço alto da sociedade à medida que forem sendo incrementadas exceções”.

Cintra menciona outras situações em que a “contabilidade criativa” foi usada por parte da equipe econômica, como a priorização de pagamento de juros dos precatórios, a exclusão dos gastos da bolsa do ensino médio dos limites do arcabouço e a tentativa de mudar os limites de contingenciamento no caso de descumprimento do teto.

“Essas decisões estão no DNA desse governo, que estabelece regras [de limite de gastos] para inglês ver. Toda vez que é possível justificar a importância, fura-se o teto. Teremos em poucos anos um arcabouço fiscal inutilizável e veremos a dívida aumentar. Esse tipo de comportamento obriga, por exemplo, o Banco Central a jogar a taxa de juros nas alturas para evitar que a inflação volte aos patamares de dois dígitos”, completou Cintra.

Programa fora do orçamento

Em meio às críticas, a avaliação do especialista em finanças públicas e consultor legislativo Fábio Dáquilla é de que o governo utilizou um artifício para tirar o programa do orçamento e não sujeitá-lo às regras fiscais. Ele explica que foi feito um aporte em um momento em que há empoçamento de recursos – verbas não executadas, mas já disponíveis – e aproveitou para utilizar um fundo privado para execução da política.

Nessa modalidade, segundo Dáquilla, o Ministério da Educação retira o programa do seu orçamento e delega a execução da política para a Caixa, de forma que as transferências para os alunos não exigirão autorização da Lei Orçamentária Anual e não serão sujeitos a qualquer limite imposto pelo arcabouço fiscal.

O movimento, na avaliação dele, estaria dentro da legalidade a partir das aprovações do PLP 243/23 e da proposta que cria o programa. “Críticos às medidas podem alegar que o programa é uma transferência de renda disfarçada de poupança, o que contrariaria o princípio orçamentário da universalidade, pois foge do objetivo de centralizar as políticas públicas no orçamento fiscal. Mas essa é uma divergência principiológica e pode ser contornada em juízo, caso o programa seja questionado. Uns podem elogiar a medida e outros podem criticar, mas que o plano foi muito bem pensado, isso foi”, avaliou.

A ideia do governo, para o economista César Bergo, presidente na Conselho Regional de Economia do DF, é interessante e um marco para a educação, mas necessita de uma linha mais clara e transparente. “O que se coloca é um grande balão de ensaio”, afirmou.

A cientista política Mayra Goulart, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), contextualiza que saídas como essa usada pelo governo são adotadas em meio às divergências de frentes amplas inseridas no próprio governo, em que parte da equipe ministerial segue uma linha mais voltada ao interesse de mercado e a outra prioriza a implementação de novos programas sociais.

“Esse tipo de ginástica fiscal é o que sobra para conformar, permitir que múltiplos interesses dessas frentes amplas sejam contemplados. Precisa-se fazer uma ginástica para contemplar os interesses e essa questão da poupança estudantil faz parte dessa lógica. Acredito que cada vez mais veremos exceções ao arcabouço fiscal, que permitam, em alguns casos de políticas sociais muito importantes, uma exceção aos limites fiscais”, disse Goulart.

R7

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