Estamos mais doentes após a pandemia? Especialistas analisam surtos de infecções
No início deste ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou para o aumento de casos de sarampo no mundo. O crescimento das notificações de coqueluche no Brasil neste ano é outra questão que preocupa o Ministério da Saúde. Também em 2024, as mortes associadas à dengue registraram números históricos no país, com um aumento significativo nos casos confirmados em comparação com o ano passado.
Apesar disso, o aumento de infecções não é um fenômeno exclusivo do Brasil. Uma análise feita pela consultoria especializada em saúde Airfinity e pela agência de notícias Bloomberg News mostrou que, em 44 países ou territórios, pelo menos uma doença infecciosa causou um surto dez vezes maior em comparação com números pré-pandemia. O levantamento reuniu dados de mais de 60 organizações e agências de saúde de diferentes partes do globo.
Os surtos registrados foram de 13 doenças transmissíveis, incluindo gripe, sarampo, poliomielite, dengue e tuberculose.
Mas, afinal, estamos mesmo ficando mais doentes após a pandemia?
De acordo com Alexandre Naime, infectologista e coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologista (SBI), não existe nenhuma evidência científica de que estamos ficando mais doentes após a pandemia de Covid-19. “Porém, existem reflexos decorrentes de ações que foram acontecendo na pandemia”, explica.
É o caso da queda da cobertura vacinal para doenças já erradicadas. O fenômeno, que vinha ocorrendo desde 2018, foi significativo no período pandêmico. A cobertura vacinal da BCG – que previne formas graves de tuberculose – aplicada em crianças de zero a menores de cinco anos, tinha taxa acima de 95% em 2018. Em 2019, era de 86,67%; já em 2021, a procura pela vacina caiu para 65,63%. Em relação à vacina contra a poliomielite, a cobertura era de 89,59% em 2018; em 2021, era 66,62%.
“No período de pandemia, devido à disseminação de fake news, houve uma adesão à pauta anti-vacina, o que afetou não só a vacina contra Covid-19, mas toda a cobertura vacinal”, afirma Naime, à CNN.
Além disso, a desconfiança na vacinação pode ter relação com a falta de percepção de risco das doenças, na visão de Rosana Richtmann, infectologista e consultora em vacinas do Delboni, marca pertencente à Dasa, rede de serviços de saúde.
“Toda vez que uma pessoa não conhece uma doença, porque ela nunca viu casos, é exatamente porque a doença foi eliminada, ou, pelo menos, parcialmente eliminada graças à vacinação. Consequentemente, a pessoa acaba não tendo medo da doença, então não tem a percepção de risco e não se vacina”, explica.
“Isso é algo realmente preocupante e há muita divulgação de notícias falsas que fazem com que o cidadão comum não conheça a ciência e a verdade, o que gera dúvida sobre a eficácia e segurança da vacina”, acrescenta.
Isolamento social durante a pandemia também pode ser fator
O isolamento social imposto pela pandemia de Covid-19 para tentar conter a transmissão do vírus também pode ter sido um fator relacionado ao aumento dos casos de outras infecções respiratórias ou que são transmitidas através do contato. “Isso pode ser observado, principalmente, nos casos de infecção por Vírus Sincicial Respiratório (VSR) que, durante a pandemia, quase despareceram, e agora voltaram a crescer”, afirma Naime.
Segundo dados dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, os casos de gripe no país norte-americano aumentaram cerca de 40% nas duas temporadas de gripe pós-pandemia.
No Brasil, também foi registrado um aumento dos casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), quadros de síndrome gripal que evoluem com comprometimento da função respiratória, podendo levar à hospitalização. Em 2024, até 6 de julho, foram notificados 44.228 casos hospitalizados, sendo 44% em decorrência de VSR, 20% por influenza e 14% por rinovírus, segundo dados da Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe), do Ministério da Saúde.
Esse valor já é superior ao total de casos notificados em 2019, no ano inteiro: 40.294. Do total de casos positivos para influenza e outros vírus (32.963), 17,6% foram classificados por influenza e 23,5% por outros vírus respiratórios, segundo o SIVEP-Gripe.
“Durante os anos pandêmicos, os vírus da Covid-19 e da gripe estavam competindo por um mesmo hospedeiro. Apesar de haver a possibilidade de coinfecção, geralmente, um vírus sobressai sobre o outro”, explica Naime. “Na pandemia, houve uma preponderância do vírus da Covid-19 e, consequentemente, muitas pessoas não tiveram contato com o vírus da gripe atual, e agora estão totalmente suscetíveis. Isso sem contar o baixo índice de vacinação, o que inclui a vacina da gripe”, completa.
Mudanças climáticas e aumento dos casos de dengue
Neste ano, até junho, o Brasil registrou 6 milhões de casos de dengue, um número quatro vezes maior do que o ano todo de 2023, segundo dados do painel do Ministério da Saúde. O número de mortes também bateu recorde neste ano, chegando a 4 mil óbitos até junho desse ano, enquanto em 2023, o total foi de 1.179.
Apesar de não ter uma relação específica com a pandemia de Covid-19, há a crescente de casos e óbitos pela doença desde o início do período pós-pandêmico. Em 2021, o número de mortes por dengue foi de 325. Em 2022, foi de 1.053. Segundo Naime, isso está relacionado, principalmente, a fatores climáticos, como o aumento da temperatura média em todo o país.
“Devido a esse aumento de temperatura, locais onde antes não havia uma circulação grande do vírus da dengue, como estados do sul do país, agora estão tendo epidemias também. Ou seja, a dengue vem ultrapassando fronteiras”, afirma.
Essas fronteiras, inclusive, incluem outros países onde a dengue não era tão comum anteriormente. Em junho, o CDC dos Estados Unidos emitiu um alerta sobre um risco maior de infecções pelo vírus no país. O número de casos de dengue relatados nas Américas passou de 9,7 milhões durante o período entre 1º de janeiro e 24 de junho, duas vezes mais que em todo o ano de 2023, afirmou o CDC.
O fato de a dengue não ter sido comum nesses locais também acaba sendo um fator para o aumento de casos. “Nós sabemos que o contato com o vírus leva a imunidade contra o subtipo específico do vírus [a dengue possui quatro subtipos, no total]”, explica Naime. “Então, quem nunca teve contado com nenhum subtipo acaba ficando mais suscetível a doença”, acrescenta.
O que fazer para fortalecer a imunidade?
Para Richtmann, a melhor forma de melhorar a imunidade é através da vacinação. “As vacinas conferem imunidades próprias para doenças específicas”, afirma. “Além disso, outra forma de fortalecer a imunidade é, sem dúvida, tendo hábitos saudáveis, como exercício físico regular, alimentação saudável, hidratação adequada, check-ups regulares e ter atenção com a nossa saúde, principalmente com medidas preventivas de doenças”, acrescenta.
Naime propõe, ainda, quatro passos fundamentais para a saúde imunológica:
- Manter a caderneta de vacinação atualizada;
- Para quem tem condições financeiras, buscar vacinas oferecidas na rede privada para completar a cobertura vacinal contra diversas doenças;
- Pessoas com grupo de risco devem evitar o contato com pessoas infectadas, ou, então, manter o uso de máscaras em locais aglomerados. O mesmo vale para pessoas saudáveis que entram em contato com pessoas com risco de complicações graves por doenças infecciosas;
- Manter hábitos que ajudam na prevenção de doenças respiratórias, tais como: realizar lavagem nasal diariamente, principalmente em estações secas (como inverno e outono); evitar a exposição prolongada ao frio; manter ambientes arejados; manter as mãos higienizadas com sabão e água ou álcool em gel.
CNN BRASIL