Em meio à crise causada por fala de Lula, Brasil critica Israel em corte internacional em Haia
O Brasil pediu nesta terça-feira (20) à CIJ (Corte Internacional de Justiça), em Haia, na Holanda, que declare como ilegal a ocupação dos territórios palestinos pelas forças militares de Israel. “O Brasil espera que o tribunal reafirme que a ocupação israelense dos territórios palestinos é ilegal e viola obrigações internacionais por meio de uma série de ações e omissões de Israel”, afirmou a representante do Brasil em Haia, Maria Clara de Paula Tusco. A diplomata brasileira pediu a adoção de medidas que alteram a composição demográfica dos territórios.
O pedido veio em meio a uma crise diplomática causada por declarações feitas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que comparou a ação do exército de Israel contra o grupo terrorista Hamas ao Holocausto dos judeus pela Alemanha nazista.
A declaração de Lula foi dada durante entrevista coletiva realizada no último domingo (18), depois da participação do presidente na 37ª Cúpula de Chefes de Estado e Governo da União Africana, em Adis Abeba, capital da Etiópia. “O que está acontecendo na Faixa de Gaza, com o povo palestino, não existiu em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu. Quando Hitler decidiu matar os judeus”, afirmou o petista na ocasião.
Após as declarações, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, criticou o presidente e descreveu suas palavras como vergonhosas e graves. Lula passou a ser considerado “persona non grata” em Israel até se desculpar pelo comentário. Isso quer dizer que o presidente brasileiro não é bem-vindo em Israel até se retratar.
Após uma reunião com diversos membros do governo no Palácio da Alvorada, Lula decidiu chamar de volta na segunda-feira (19) o embaixador do Brasil em Tel Aviv, Frederico Meyer, para consultas. Ainda na segunda-feira, O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, convocou o embaixador de Israel no Brasil, Daniel Zonshine, para um encontro.
O presidente de Israel, Isaac Herzog, foi às redes sociais para dizer que condena veementemente a declaração de Lula. Herzog disse que há uma “distorção imoral da história” e apela “a todos os líderes mundiais para que se juntem a mim na condenação inequívoca de tais ações”.
Entidades e organizações também criticaram a declaração de Lula. A Conib (Confederação Israelita do Brasil) repudiou a fala. A instituição classificou a afirmação como “distorção perversa da realidade que ofende a memória das vítimas do Holocausto e de seus descendentes”.
“Os nazistas exterminaram 6 milhões de judeus indefesos na Europa somente por serem judeus. Já Israel está se defendendo de um grupo terrorista que invadiu o país, matou mais de mil pessoas, promoveu estupros em massa, queimou pessoas vivas e defende em sua Carta de fundação a eliminação do Estado judeu”, diz a Conib.
O presidente do Yad Vashem (o memorial do Holocausto em Jerusalém), Dani Dayan, afirmou que a declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de ações de Israel em resposta ao grupo terrorista Hamas ao nazismo é uma “escandalosa combinação de ódio e ignorância”. Dayan disse que, segundo a definição da IHRA (Aliança Internacional para a Memória do Holocausto), as falas do chefe do Executivo brasileiro são “clara expressão antissemita”.
“Comparar um país que luta contra uma organização terrorista assassina com as ações dos nazis no Holocausto merece toda a condenação. É triste que o presidente do Brasil desça a um ponto tão baixo de extrema distorção do Holocausto”, escreveu nas redes sociais.
“Cada vez que o presidente Lula viaja ao exterior, traz estragos e prejuízos em termos de política externa. E são episódios tristes para os brasileiros, que compõem tradicionalmente um povo pacífico, aberto e amigo com as demais nações. No caso de Israel, os gestos parecem fechar as portas aos israelenses e desrespeitam os judeus que em solo brasileiro estão. É uma tremenda ofensa”, avalia a professora de direito da Universidade de São Paulo (USP) Maristela Basso.
“Por outro lado, acirra também a polarização no país, uma vez que, aqueles que seguem o pensamento ideológico-partidário de Lula, se sentem autorizados à revanche antissemita. É extremamente prejudicial nas relações internacional e interna, porque serve de combustível para a eventual prática de crime”, acrescenta.
Para o diplomata e diretor de Relações Internacionais do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, Paulo Roberto de Almeida, as declarações do presidente podem prejudicar a política externa brasileira.
“A declaração de Lula é absolutamente equivocada nos planos histórico, diplomático e político. Não há equiparação possível ao Holocausto, que foi organizado por um Estado contra uma determinada população. Foi um massacre. Não há precedentes na história”, avalia.
“Temos duas questões que caracterizam o [mandato] Lula 3, que deveria ser mais maduro pelas experiências dos mandatos anteriores. O que a gente repara é que tem havido tensões internas e externas que derivam das posturas típicas do PT. No campo econômico, o intervencionismo que vimos em casos como a Vale e a Petrobras. No campo da política externa, o que se nota são posições mais próximas do partido [PT] que as da diplomacia brasileira,” explicou.
Quando Lula cita o Holocausto, isso ultrapassa a linha do aceitável por ser um fato único na história da humanidade. O Holocausto é algo inimaginável até em relação a outros genocídios, por ter sido um projeto estatal do hitlerismo de eliminar todos os judeus. Isso é algo inédito na humanidade. Essa palavra ‘Holocausto’ o Lula pronunciou por ignorância histórica e causou um choque no povo judeu
As Frentes Parlamentares Evangélicas (FPE) do Congresso Nacional e do Senado Federal
repudiaram as palavras de Lula. Em nota, os parlamentares disseram que comparar os ataques de Israel ao Hamas com o nazismo, que vitimou seis milhões de judeus, é provocar um conflito ideológico desnecessário.
“Com a ressalva do respeito às pessoas que inocentemente morrem, Israel, ao contrário de Hitler, está exercendo o seu direito de sobreviver diante de um grupo com o objetivo de eliminar os judeus”, diz o documento.
Para a FPE, “não é justo exigir que uma nação se mantenha passiva diante de um ataque covarde que estupra e mata jovens, idosos e crianças das formas mais horríveis e continua com a política de se esconder atrás de reféns (civis inocentes)”.
Ainda de acordo com a nota, as verbalizações do presidente “não representam o pensamento da maioria dos brasileiros e comprometem a política internacional de forma desnecessária”.
R7