Pela primeira vez em muitos anos, a oposição vê chances de derrotar o chavismo na eleição presidencial da Venezuela, que acontece neste domingo (28) em um cenário de incerteza. Cerca de 21 milhões de venezuelanos estão registrados para votar.
Se a oposição vencer, seria o encerramento de um ciclo que começou há 25 anos, com Hugo Chávez e, depois, com
Nicolás Maduro.
Aos 61 anos, Maduro tenta o terceiro mandato. Ele já está há 11 anos no poder e chegou à Presidência da Venezuela após a morte de Chávez, em 2013. Naquele ano, ele foi eleito por uma diferença pequena de votos.
A eleição deste domingo é diferente de qualquer outra que o partido no poder enfrentou desde que Chávez foi eleito presidente, em dezembro de 1998. No fim da década de 1990, o líder começou a transição da Venezuela para o que ele descreveu como “socialismo do século 21”.
Agora, Maduro é impopular entre muitos eleitores. A derrocada do preço do petróleo, a corrupção e a má gestão econômica mergulharam o país em uma grande crise. Jovens tiveram de desistir do sonho da faculdade, crianças passaram fome e milhões emigraram.
Segundo o Índice da Democracia, ranking global anual do grupo que publica a revista britânica The Economist, a Venezuela é um dos regimes mais autoritários da América Latina. O levantamento aponta que o país tem pouco pluralismo no processo eleitoral, funcionamento do governo e liberdade civil.
Políticos da oposição boicotaram as últimas eleições alegando fraude. Desta vez, superaram divisões profundas para se unirem em torno de um único candidato.
O nome da oposição que representa a tentativa de mudança é Edmundo González, ex-diplomata de 74 anos. Ele encabeça a chapa da coalizão “Plataforma Unitária Democrática (PUD)”. A nomeação dele foi feita após as opositoras María Corina Machado e Corina Yoris serem impedidas pelo regime de Maduro de concorrer.
González atraiu um apoio significativo, inclusive de antigos apoiadores do partido governante. Entretanto, a oposição e alguns observadores questionaram se a votação será justa. O Conselho Nacional Eleitoral, equivalente brasileiro ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), é controlado por Maduro, que também tem ascendência sobre o Legislativo e o Judiciário.
González e María Corina têm instado os eleitores a votar cedo e a manter “vigílias” nas seções eleitorais até que elas fechem. Eles disseram que esperam que os militares respeitem os resultados da votação.
Os militares da Venezuela são apoiadores de Maduro. O Ministro da Defesa, general Vladimir Padrino, disse que as Forças Armadas respeitarão o resultado, previsto para sair entre a noite de domingo e a madrugada de segunda-feira (29).
Maduro argumenta que a Venezuela tem o “sistema eleitoral mais transparente do mundo”.
“Embora seja pouco provável que as eleições na Venezuela sejam livres ou justas, os venezuelanos têm a melhor oportunidade em mais de uma década para eleger o seu próprio governo”, disse Juanita Goebertus, diretora da Divisão das Américas da Human Rights Watch, à AFP.
Veja um resumo do caminho até aqui:
- Ao longo de 11 anos de poder, Maduro foi acusado de autoritarismo, com a perseguição de opositores, controle do Legislativo e do Judiciário e centralização de poder.
- Após assumir a Presidência da Venezuela, em 2014, o governo Maduro viveu uma crise financeira com rombo nas contas públicas e hiperinflação.
- A crise venezuelana fez com que os índices de pobreza e fome disparassem. Milhares de pessoas deixaram o país em busca de uma vida melhor.
- Os problemas sociais da Venezuela também provocaram manifestações massivas, convocadas pela oposição, que terminaram em repressão, violência e mortes.
- As eleições deste ano acontecem após a assinatura de um acordo entre Maduro e a oposição. A expectativa era de um pleito livre, sem candidatos impugnados e vigilância internacional. No entanto, o governo é acusado de descumprir os termos. A União Europeia, por exemplo, que seria observadora das eleições, foi desconvidada pelo governo Maduro.
- A campanha eleitoral foi marcada pela polarização e tensão. Maduro chegou a dizer que haveria “banho de sangue” e “guerra civil” se não vencesse.
- Eleitores de fora da Venezuela tiveram dificuldade para votar. Dos quase 8 milhões, só 68 mil conseguiram se registrar.
- A votação será das 6h às 18h, pelo horário local (7h às 19h, em Brasília). Os centros de votação contam com urnas eletrônicas. O voto não é obrigatório.
- Quem vencer assume o poder em 2025, com mandato de seis anos.
- Para o professor Uriã Fancelli, a vitória da oposição representaria um marco histórico no país, mas exigiria uma transição cautelosa com apoio internacional “para evitar represálias políticas e garantir uma governança inclusiva e transparente”.
Maduro era visto como o herdeiro natural de Hugo Chávez. Com a morte do padrinho político em 2013, foi convocado a assumir seu papel de sucessor e venceu a eleição presidencial daquele ano. No entanto, nos anos seguintes, a Venezuela mergulhou em uma crise política e econômica.
A queda dos preços do petróleo e a gestão econômica controversa afetaram gravemente o país. Com rombo nas contas públicas, o governo tentou imprimir mais dinheiro, o que causou uma hiperinflação.
Um homem empurra um carrinho de cachorro-quente em frente a um mural que retrata o falecido presidente da Venezuela Hugo Chávez (centro) ao lado do atual presidente Nicolas Maduro (direita) em Caracas, em 2 de março de 2023. — Foto: MIGUEL ZAMBRANO / AFP
A Venezuela viu os índices de insegurança alimentar e pobreza dispararem. Isso fez com que dezenas de milhares de pessoas abandonassem o país, buscando novas oportunidades em vizinhos, como Brasil e Colômbia.
A crise também provocou uma onda de manifestações, principalmente entre 2014 e 2019. Os protestos foram marcados pela violência e repressão, resultando em dezenas de mortos e feridos.
A oposição tentou pressionar o governo. Um referendo para tirar Maduro do poder chegou a ser levantado, mas acabou barrado pela Justiça — controlada por ele. O governo também convocou uma Assembleia Constituinte para minar o poder do Parlamento, que era de maioria opositora.A última eleição presidencial foi em 2018, quando Maduro foi reeleito diante do boicote da oposição ao processo eleitoral. À época, os adversários do presidente denunciaram fraudes e perseguições.
O pleito deste domingo é fruto de um acordo entre Maduro e a oposição, assinado em outubro de 2023. Foi uma forma que o atual presidente encontrou para tentar aliviar as sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos.
A promessa era de eleições livres, sem opositores impedidos, e presença de observadores internacionais para garantir a lisura do pleito. Mas não foi isso que aconteceu.
Maduro é acusado de não cumprir com os termos do acordo. No começo do ano, a Justiça da Venezuela, controlada pelo governo, determinou que a principal opositora não poderia ocupar cargos públicos. Com isso, María Corina Machado ficou impedida de concorrer.
A líder da oposição, María Corina Machado, acompanha Edmundo González Urrutia em um evento com o partido de oposição Primeiro Justiça em Caracas, no dia 31 de maio. — Foto: Getty Images via BBC
A oposição tentou emplacar um novo nome: Corina Yoris. Mas a candidata sofreu com problemas no sistema de registro eletrônico do Conselho Nacional Eleitoral, ficando de fora da disputa.
Sobrou o ex-diplomata Edmundo González, que conseguiu se registrar e se tornou a esperança oposicionista para derrotar Maduro. Apoiado por Corina Machado, González apareceu na liderança em pesquisas eleitorais independentes. Mas o resultado oficial só será conhecido na noite deste domingo (28).
O que esperar após as eleições
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, usa binóculos durante ato em Caracas, em 29 de fevereiro de 2024. — Foto: Leonardo Fernandez Viloria/ Reuters
Uriã Fancelli, mestre em relações internacionais pelas universidades de Estrasburgo e Groningen, vê as eleições deste ano como um momento decisivo para a Venezuela. Por outro lado, o professor avalia que o processo eleitoral tem acontecido sob desconfiança.
Era esperado que observadores internacionais de países e entidades diferentes acompanhassem o pleito na Venezuela. No entanto, o governo Maduro desconvidou membros da União Europeia e até mesmo Alberto Fernández, ex-presidente da Argentina.
“Além disso, a oposição enfrentou diversos obstáculos, incluindo restrições na campanha, limitações na propaganda midiática e intimidações em comícios. Essas práticas levantam sérias preocupações internacionais sobre a legitimidade do processo eleitoral”, afirma.
Fancelli também acredita que Maduro tenha adotado uma retórica mais agressiva, com ameaças de “banho de sangue” e “guerra civil”, como uma estratégia para intimidar os eleitores e desencorajar o voto na oposição. Segundo ele, isso reforça a tendência autoritária do atual presidente.
O professor avalia ainda que uma possível vitória da oposição poderia representar uma virada de chave para toda a América Latina. Para ele, a Venezuela teria a chance de renovar as instituições democráticas e se reinserir no cenário internacional.
“Uma vitória de Edmundo González Urrutia, um diplomata aposentado, seria interpretada mundialmente como um clamor por justiça e liberdade, ecoando a resistência de milhões de venezuelanos que, apesar da repressão e das adversidades, continuam lutando por um futuro melhor.”
Por outro lado, a transição para um governo González exigiria cautela e apoio da comunidade internacional.
“Seria prudente negociar anistia para Maduro e seus aliados como parte das condições para uma transição pacífica, a fim de minimizar a resistência do regime atual e promover a estabilidade durante o período de mudança”, diz.
G1