Mais de 18,6 milhões de brasileiras sofreram violência física, psicológica ou sexual em 2022. São 50.962 casos por dia. Os dados alarmantes são da quarta edição da pesquisa “Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil”, produzida pelo FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública) e pelo Datafolha, divulgada nesta quinta-feira (2).
De acordo com o levantamento, todas as formas de violência contra a mulher apresentaram crescimento acentuado no último ano, com destaque para violência física e ameaças graves com armas brancas e de fogo. Entre 9 e 13 de janeiro deste ano, os pesquisadores ouviram 2.017 entrevistadas de 16 anos ou mais em 126 municípios espalhados pelo país.
A pesquisa mostra que 28,9% das mulheres relataram ter sido vítima de algum tipo de violência ou agressão nos últimos 12 meses; é o maior número registrado na série histórica do FBSP. Em relação ao último levantamento realizado, o crescimento foi de 4,5 pontos percentuais, o que revela um agravamento das violências sofridas pelas brasileiras.
A falta de investimento dos recursos orçamentários destinados ao enfrentamento da violência contra a mulher pelo governo federal, as restrições ao funcionamento de serviços de acolhimento em razão da pandemia e o avanço dos movimentos ultraconservadores foram apontados como os principais fatores que levaram ao agravamento desse cenário.
Segundo Juliana Martins, coordenadora institucional do FBSP e doutora em psicologia escolar e desenvolvimento humano, a questão da violência contra a mulher é complexa e multicausal, por isso é necessário considerar todos esses elementos.
Para Martins, embora os dados de feminicídios e homicídios dolosos de mulheres em 2022 ainda não estejam disponíveis, essas categorias também devem sofrer incremento.
As ofensas verbais (23,1%), a perseguição (13,5%) e as ameaças (12,4%) foram as formas de violência citadas com mais frequência pelas entrevistadas. Entretanto, é importante destacar o aumento acentuado da violência física e ameaças graves, que podem terminar em morte.
A pesquisa realizada neste ano mostrou crescimento de 3,1% para 5,1% de ameaças perpetradas com faca ou arma de fogo em comparação com 2021. Nos últimos três anos, o país também bateu recordes de registros de armas, impulsionados pela flexibilização das leis para porte e aquisição durante o governo Bolsonaro.
Há dois anos, 2.199.388 mulheres haviam sido ameaçadas com facas e armas de fogo, enquanto no ano passado o número de vítimas chegou a 3.303.315, segundo a projeção de dados do FBSP.
“Se o agressor tem arma em casa, aumenta a possibilidade de uma tragédia acontecer. A facilitação ao acesso de armas e o aumento da circulação entre a população são fatores de risco para as mulheres”, alerta Juliana Martins.
Ao analisar o perfil étnico e racial das entrevistadas, as mulheres negras (65,5%) sofreram mais que o dobro de violência em comparação com as brancas (29%) durante o ano passado.
“A mulher negra está mais vulnerável do ponto de vista socioeconômico e de moradia. É a parcela da população que tem mais dificuldade para acessar seus direitos e informações disponíveis, por isso está mais suscetível a violências mais graves”, explica a coordenadora institucional do FBSP.
A pesquisadora também reitera que esse cenário de desigualdade não é novo e que é preciso priorizar esse recorte no momento da elaboração de políticas públicas para as vítimas.
Em relação à faixa etária, 30,3% das entrevistadas que relataram episódios de violência tinham entre 16 e 24 anos, 22,8% entre 25 e 34 anos, 20,6% entre 35 e 44 anos, 17,1% entre 45 e 59 anos e 9,2% com 60 anos ou mais.
As mulheres mais jovens, de acordo com o levantamento, apresentam maiores níveis de vitimização e são alvos maiores de ofensas verbais, enquanto as vítimas de 45 a 59 anos experimentaram os maiores níveis de violências como espancamento (8,2%), ameaça com faca ou arma de fogo (8,7%) e esfaqueamento ou tiro (4,5%).
Os dados também mostram que, à medida que aumenta a renda familiar mensal,
diminui a prevalência de violências mais graves. As agressões físicas (13,8%) e os espancamentos (7,7%), por exemplo, são muito mais frequentes entre as entrevistadas com renda de até dois salários mínimos.
No último ano, 31,2% das mulheres com renda de até dois salários mínimos sofreram violência, 28,4% entre as que ganham entre dois e cinco salários, 27,4% entre as que têm rendimento entre cinco e dez salários e 22,6% entre as que têm mais de dez salários.
As mulheres separadas e divorciadas apresentaram níveis mais elevados de vitimização (41,3%) do que as casadas (17%), viúvas (24,6%) e solteiras (37,3%). Os dados demonstram como é difícil romper o ciclo de violência.
Nos últimos 12 meses, as vítimas de violência ou agressão sofreram, em média, quatro episódios nesse período, enquanto para as divorciadas a média foi de nove agressões.
FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA; INSTITUTO DATAFOLHA. PESQUISA VISÍVEL E INVISÍVEL: A VITIMIZAÇÃO DE MULHERES NO BRASIL
Ao R7, Juliana Martins afirma que o divórcio é um momento em que a vítima fica mais vulnerável. “Ela rompe com papéis sociais que são esperados das mulheres, como a manutenção do casamento acima de qualquer coisa, mesmo que vivendo em um relacionamento violento.”
O crescimento dos movimentos ultraconservadores e a defesa “dos valores da família” nos últimos anos também são um empecilho nos processos de divórcio e no rompimento desses papéis sociais de gênero, de acordo com a psicóloga.
Em razão desses fatores, os principais autores da violência são os companheiros e ex-companheiros, que, somados, são responsáveis por 58,1% dos casos, ao mesmo tempo que a residência é o principal local das agressões.
Quase metade das vítimas relatou não fazer nada após sofrer um episódio grave de violência. Apenas 14% das entrevistadas denunciaram o crime em uma Delegacia da Mulher, e 4,8% ligaram para a Polícia Militar.
Para a pesquisadora, o maior obstáculo para as mulheres é reconhecer a situação de violência e pedir ajuda. A vítima é frequentemente responsabilizada pelas agressões praticadas pelo próprio companheiro e julgada por familiares e amigos. “É uma relação permeada pela culpa e pelo medo, por isso é difícil reconhecer a necessidade de ajuda”, afirma.
Como muitas mulheres também são desencorajadas a registrar denúncias ou desacreditam no trabalho da polícia e do sistema judiciário, há muitas subnotificações de ocorrências de violência contra a mulher no país. Por isso, os números podem ser muito maiores.
A punição de forma mais severa dos agressores (76,5%) foi considerada a política pública mais importante pelas entrevistadas, seguida de ter alguém para conversar, como um psicólogo ou outro especialista em saúde mental (72,4%), e disponibilizar aplicativos de celular que permitam às vítimas de violência doméstica pedir ajuda apertando apenas um botão no celular (70,8%).
Esses indicadores, de acordo com Juliana Martins, são reflexo de uma sociedade punitivista que anseia por mais prisões e penas mais duras. “Só prender e punir de forma severa não vai resolver o problema, que é cultural. É preciso trabalhar a base dos problemas, como os papéis desiguais entre homens e mulheres.”
“Precisamos olhar para essa situação complexa com diversas lentes, e o tronco principal é a integração de políticas públicas de saúde, educação, assistência social”, sustenta a psicóloga. Também é necessário oferecer escuta e acolhimento à vítima, sem julgá-la nem revitimizá-la.
• Ligue 190 (Polícia Militar)
• Ligue 180 (Central de Atendimento à Mulher)
• Acesse o aplicativo “Direitos Humanos Brasil”
• Registre boletim de ocorrência na Delegacia da Mulher
• Registre denúncia na página da Ouvidoria Nacional de Diretos Humanos
R7