A longa batalha jurídica contou com a intervenção de organizações de defesa das mulheres e da comunidade negra.
No centro da polêmica, está a questão de como a lei pode proteger uma vítima de tráfico ou abuso sexual quando esta comete um crime que pode salvar sua vida.
Os advogados de Kizer argumentaram que ela agiu em legítima defesa — e usaram um mecanismo legal conhecido como “defesa afirmativa”, em vigor em vários Estados dos EUA, que protege as vítimas de tráfico sexual de algumas acusações, incluindo prostituição ou roubo, se essas ações forem resultantes do tráfico.
A relação de Kizer e Volar
Kizer tinha 16 anos quando conheceu Volar, que tinha o dobro da sua idade, em um ponto de ônibus. Ele se ofereceu para levá-la em casa, e pediu seu número de telefone.
Segundo ela, os dois saíram para jantar e fazer compras. Mas logo ficou claro que ele esperava uma retribuição sexual.
E o relacionamento se tornou obscuro. Por quase dois anos, Volar abusou sexualmente de Kizer — e, sem o conhecimento dela, filmou os encontros.
Como foi revelado no processo judicial, Volar já estava na mira da polícia de Kenosha, em Wisconsin, por ter gravado os abusos de outras meninas. Ela não sabia.
A mãe de Kizer, Devore Taylor, saiu em defesa da liberdade da filha. — Foto: Getty Images via BBC
Um ano antes da morte de Volar, a menor já era vítima de prostituição forçada.
Mas uma noite, quando Volar tentou tocá-la, Kizer sacou uma arma e atirou na cabeça dele. Ela ateou fogo à casa e fugiu no carro dele.
Ela havia compartilhado o que fez em uma transmissão ao vivo no Facebook, pouco antes de ser presa e acusada de homicídio, incêndio criminoso e roubo de veículo.
O promotor Michael Gravely argumentou que Kizer havia cometido assassinato premeditado para roubar o carro.
A defesa dela, no entanto, alegou que a jovem agiu em legítima defesa, depois que Volar a imobilizou contra o chão enquanto tentava estuprá-la. Além disso, invocou o mecanismo legal de “defesa afirmativa”, que protege as vítimas de tráfico de pessoas nos EUA.
A promotoria havia argumentado que este mecanismo não isenta as vítimas em casos de homicídio. O processo chegou então à Suprema Corte de Wisconsin, que decidiu em 2022 que Kizer poderia recorrer a ele.
A defesa se concentrou em apresentar provas de que suas ações foram resultado direto da violência que havia sofrido. Várias organizações e ativistas se envolveram no processo em defesa de Kizer.
O caso deu início a uma campanha nos EUA pela absolvição de Kizer. — Foto: Getty Images via BBC
Mas, em maio deste ano, ela acabou optando por um acordo judicial com a promotoria, para evitar o risco de receber uma possível pena de prisão perpétua — e se declarou culpada de uma acusação reduzida de homicídio de segundo grau.
O Instituto Nacional de Justiça para Mulheres Negras havia pedido que a jovem não fosse condenada à prisão.
“Os tribunais de todo o país criminalizam mulheres e meninas negras por sobreviverem ao abuso sexual e à violência”, declarou a presidente da organização, Sydney McKinney, em comunicado em junho.
“Mandar Chrystul Kizer para a prisão por qualquer período de tempo é uma decisão equivocada. Isso não vai curar ninguém e só vai causar mais danos”, acrescentou.
Mas o juiz David P. Wilk, do Condado de Kenosha, em Wisconsin, decidiu que ela deve passar 11 anos na prisão, menos os 570 dias em que já ficou detida, e depois passar cinco anos em liberdade condicional.
G1