O STF (Supremo Tribunal Federal) retoma as atividades em 2024, na quinta-feira (1º), com a perspectiva de lidar com assuntos que, durante o ano passado, alimentaram atritos com o Congresso e puseram a relação entre os Poderes Legislativo e Judiciário em crise.
Até o fim de fevereiro, no entanto, esses temas devem ficar distantes do plenário do Supremo.
A pauta do mês montada pelo presidente da corte, Luís Roberto Barroso, privilegia temas que não têm risco de serem interpretados como tentativas de invasão das responsabilidades do Congresso.
Barroso tem evitado esse tipo de conflito desde que assumiu a presidência do tribunal, em setembro passado –embora tenha o costume de dizer que não tem medo de pautar assuntos espinhosos.
Fevereiro também será um mês em que a corte continuará, na maior parte do tempo, com a composição incompleta. Flávio Dino, indicado pelo presidente Lula (PT) para a vaga aberta com a aposentadoria de Rosa Weber, só deve tomar posse no dia 22.
Outro ponto relevante para a pauta esfriada do Supremo é que não haverá sessão nos dias 14 e 15, período de Carnaval.
Em 1º de fevereiro, quando a corte retoma os trabalhos regulares, ocorrerá a cerimônia de abertura do ano do Judiciário, com um discurso de Barroso.
Em seguida, deve ser iniciada a votação de uma ação que o presidente do Supremo vê como uma oportunidade para passar uma mensagem contra o etarismo.
Será avaliado se é constitucional a separação obrigatória de bens em casamentos de pessoas com mais de 70 anos e qual é a aplicação das regras para união estáveis.
No ano passado, essa ação inaugurou um novo formato de julgamento no STF, no qual o presidente do Supremo marca uma sessão para que apenas as partes se manifestem no plenário, em frente aos ministros.
Depois, o julgamento é suspenso e retomado após um mês ou mais, para a apresentação de votos dos ministros –que é o que vai acontecer com a ação sobre casamento após os 70.
Barroso tem usado esse novo formato para apresentar temas cujo debate ele considera importante. Na prática, porém, têm tratado de assuntos que não acirram o clima entre os Poderes nem criam resistência na população à imagem da corte.
Para o dia 8 de fevereiro, por exemplo, o presidente do STF marcou as sustentações orais de uma ação que trata de exceções, em nome da liberdade de religião, a obrigações impostas a todos os cidadãos nos critérios de identificação civil.
A ação que serve como referência trata de freiras de Cascavel (PR) que queriam tirar ou renovar a CNH (Carteira Nacional de Habilitação) usando hábito (veste religiosa) na foto do documento. A possibilidade foi aceita pela Justiça em instâncias inferiores, mas a União recorreu ao Supremo para que padronize a possibilidade em todo o país.
Em fevereiro, também podem ser julgados importantes processos previdenciários e trabalhistas.
Um deles é a ação da revisão da vida toda, que discute o direito de o segurado do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) incluir no cálculo da aposentadoria os salários mais antigos. Também pode ser analisado se existe ou não vínculo empregatício entre entregadores e plataformas de delivery.
Durante o mês, ainda deve voltar a ser julgada a chamada “pauta verde” do Supremo. Ela foi paralisada ainda em 2022, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), por um pedido de vista (mais tempo para julgamento) do ministro André Mendonça.
À época, a relatora da maioria das ações, ministra Cármen Lúcia, disse que havia um “estado de coisas inconstitucional” na política ambiental do país, instituto que permitiria ao Poder Judiciário estipular e acompanhar medidas aos demais Poderes em relação ao tema.
Mendonça, que foi indicado ao cargo por Bolsonaro, também queria incluir a possibilidade de responsabilizar os estados por essas políticas ambientais.
Os temas que podem causar atrito com o Congresso devem ser julgados ao longo do ano.
O primeiro deles, que deve ser pautado ainda para o primeiro semestre, é o retorno da votação sobre a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal.
O STF já tem 5 votos a 1 a favor dessa possibilidade. O único que votou de forma contrária foi o ministro Cristiano Zanin, em uma postura conservadora que surpreendeu aliados de Lula. Zanin é indicação de Lula para a corte.
Mendonça pediu vista e paralisou a votação, mas o processo já foi liberado e pode voltar a ser julgado. Barroso tem dito que deseja que o caso seja analisado assim que possível.
“O que temos discutido aqui, que também é uma discussão mal compreendida, é qual a quantidade de maconha que distingue o usuário do traficante. Se o Supremo não definir isso, quem fará é o policial no momento do flagrante”, disse Barroso, no fim de 2023.
“Não há solução fácil para lidar com as drogas no mundo inteiro. Esse é um problema que deve ser enfrentado, mas o que posso dizer é que a política pública que praticamos no Brasil não funciona”, declarou.
Também este ano pode voltar a ser discutido no Supremo o marco temporal das terras indígenas, tese que no ano passado o Supremo decidiu que é inconstitucional por ampla margem.
Segundo entendimento barrado pelo STF, só deveriam ser demarcados os territórios considerando a ocupação indígena em 1988, data da promulgação da Constituição.
A tese é criticada por indígenas, ONGs e ativistas e defendida por ruralistas. Como resposta à decisão do STF, o Congresso aprovou uma lei a favor do entendimento. O texto foi vetado por Lula, mas o Congresso derrubou o veto.
Agora, PT, PV, PC do B, Rede, PSOL e PDT ingressaram no Supremo para que a decisão do Congresso seja novamente considerada inconstitucional.
Enquanto isso, PL, PP e Republicanos pediram para o STF validar a lei do marco temporal. Os processos são relatados pelo ministro Gilmar Mendes, que anteriormente votou contra o marco.
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