A Amazônia se tornou o principal mercado no Brasil da Starlink, empresa de internet via satélite do bilionário sul-africano Elon Musk.
Lançada na região em setembro de 2022, a Starlink já é líder isolada entre os provedores de banda larga fixa por satélite na Amazônia legal, com antenas instaladas em 90% municípios da região até julho deste ano, segundo um levantamento exclusivo da BBC News Brasil.
A maior parte destes clientes estão em regiões de difícil acesso na Amazônia, onde não há infraestrutura tradicional de internet de banda larga.
Em maio de 2022, depois de apertar as mãos do então presidente Jair Bolsonaro em um resort de luxo no interior de São Paulo, o empresário disse estar “super animado para o lançamento da Starlink para 19 mil escolas desconectadas em áreas rurais e monitoramento ambiental da Amazônia”.
A promessa não saiu do papel, segundo o ministério da Educação e secretarias estaduais informaram à reportagem.
Mas dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) analisados pela BBC News Brasil revelam que a empresa já tem clientes privados em 697 dos 772 municípios da Amazônia legal (formada por Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão).
Starlink chega a 90% das cidades da Amazônia Legal — Foto: Reprodução BBC – Fonte: Anatel
A Starlink possibilita avanços importantes, como a possibilidade de uso de cartões de crédito e débito e Pix em cidades que não tinham internet de alta velocidade. Mas a expansão da tecnologia de Musk também impulsiona atividades ilegais, apontam autoridades brasileiras à BBC News Brasil.
“O Ibama informa que se tornou recorrente encontrar antenas Starlink nos garimpos”, afirmou o órgão à reportagem.
Imagens obtidas com exclusividade pela BBC mostram antenas da empresa de Musk junto a armas, munição e ouro recolhidos em operações da Polícia Federal e do Ibama.
O domínio da empresa na conexão de regiões isoladas levanta questões sobre segurança e soberania nacional, segundo especialistas brasileiros e estrangeiros ouvidos pela reportagem, especialmente depois da controvérsia recente sobre a dependência ucraniana de antenas da Starlink na guerra contra o Exército russo (veja mais abaixo).
Entre todos os 124 municípios que formam a faixa de fronteira da Amazônia legal com outros países, segundo o levantamento feito pela reportagem, apenas um não possuía antenas Starlink até o mês de julho.
Quase todas as cidades na faixa de fronteira na Amazônia usam Starlink — Foto: Reprodução BBC – Fonte: IBGE e Anatel
Soberania nacional
A Starlink revolucionou o mercado ao lançar uma enorme constelação de satélites que orbita o planeta em baixa altitude, tornando a velocidade de conexão entre os satélites e o solo mais rápida.
Mais de 5 mil satélites Starlink já foram lançados no espaço, disse à BBC News Brasil a Celestrak, laboratório norte-americano que monitora satélites.
Este enorme conjunto permite à empresa de Elon Musk levar conexão de qualidade à internet a lugares remotos e distantes, onde não há infraestrutura local como cabos e postes — caso de boa parte da Amazônia.
Starlink opera em órbita baixa — Foto: Pesquisa BBC
Mas isso pode colocar decisões importantes sobre países e governos nas mãos do empresário.
A Starlink virou alvo de debates sobre segurança de dados no mundo todo no início de setembro, quando Elon Musk admitiu não ter permitido que o governo da Ucrânia tivesse acesso à rede Starlink para evitar relação com o que definiu como um “grande ato de guerra”.
“Se tivesse concordado com o pedido, a SpaceX (empresa que envia os satélites usados pela Starlink para o espaço) seria explicitamente cúmplice de um grande ato de guerra e escalada de conflitos”, disse Musk, que foi criticado por autoridades ucranianas.
À BBC News Brasil, o professor T.S. Kelso, ex-chefe do Instituto de Tecnologia e da Divisão de Análise Espacial do Comando Espacial da Força Aérea dos Estados Unidos, disse que o debate sobre soberania nacional é “especialmente significativo”.
“Sistemas de comunicação são frequentemente mantidos sob controle governamental por vários motivos, da prevenção de comportamentos ilícitos à supressão de dissidências”, ele diz.
“É de vital importância para a segurança nacional, por exemplo, para a Defesa, ter sistemas de comunicação seguros e confiáveis. Permitir que qualquer empresa – ou indivíduo – decida unilateralmente estas questões parece ter sérias implicações para a segurança nacional”, continua.