Para Vladimir Carvalho, Gonzaga Rodrigues compôs painel imperecível que tem o espírito da terra e do homem do povo
Nesta quarta-feira, 21 de junho de 2023, Gonzaga Rodrigues está fazendo 90 anos. É dia, portanto, de festejar a vida e a trajetória desse grande paraibano.
Extraordinário cronista, profissional que faz jornalismo como quem faz literatura, Gonzaga é um mestre para tantos de nós que escolhemos o mesmo ofício que ele e tivemos o privilégio da sua convivência.
Para marcar o aniversário de Gonzaga Rodrigues aqui na coluna, pedi um texto ao cineasta Vladimir Carvalho, outro grande paraibano – os dois, amigos há mais de 70 anos. É o que segue:
GONZAGA, O ESPÍRITO DA TERRA E DO HOMEM DO POVO
Vladimir Carvalho
Era como seria de ser vida afora, desde que nos encontramos a primeira vez, por volta de 1952, no turno da noite, cursando o ginasial no antigo Liceu. Cativou-me desde logo porque, como eu, nascera e se criara no interior e tínhamos praticamente a mesma idade. E fiquei super curioso quando ouvi soar seu nome na chamada, o mesmo que meu pai recebeu na pia batismal, com acréscimo apenas do Carvalho.
Morava na Casa do Estudante e sobrevivia como revisor do jornal O Norte e curtia literatura e cinema. Tudo isso bateu em terreno fértil, injetado eu já estava do vício da leitura e da cinefilia herdada do meu velho.
No corte brusco, como no cinema, seguiu-se o longo percurso que fez entre O Norte e a decana União, jornais em que participou ativamente inclusive no curso de várias fases e repetidas reformas, notadamente nos períodos que vão da segunda metade dos anos de 1950 até o golpe militar de 1964.
Já era a promessa consumada nas reportagens e nos sueltos como se devia naquele tempo nas redações. O romance das Ligas Camponesas não aconteceu; os amigos cobravam – eu mesmo cometi esse desatino, e ele recalcitrava. Sabia no íntimo o que o esperava, pois trabalhara a fundo todos aqueles anos. O estrondo e a consagração vieram em 1978 com as Notas do Meu Lugar. Erramos todos na cobrança descabida. Dei testemunho disto em artigo que publiquei com destaque no Correio Braziliense saudando a edição da Acauã.
Hoje tenho a sua presença em minha estante principal na prateleira reservada aos bambambans, a dos craques do gênero como Rubem Braga, Drummond, Paulo Mendes Campos, Sabino e outros. Ali estão todos os seus livros, desde até uma plaquete de 50 páginas, Paraíba 1970, A União Editora, peça rara de meu relicário paraibano, de capa intacta, mas já com os grampos enferrujados e o papel quebradiço e amarelado. Lá estão, além desses, seus contemporâneos, Firmo Justino, Linduarte Noronha, Severino Ramos e Jório Machado, a fina flor, portanto. Todos os volumes têm a sua marca pessoal e indelével: o autógrafo de praxe, abaixo de amorosas dedicatórias que me tocaram o coração. Quem conhece de perto o “neguim”, de charme inexcedível, sabe do que estou falando.
O poema-crônica que compôs no transcurso dessas seis últimas décadas é painel imperecível que tem o espírito da terra e do homem do povo, numa clave que dá caráter universal que só dignifica a cultura local e as letras no Brasil. Se a Paraíba tiver juízo, agirá à altura e abrirá suas portas para uma semana inteira, com feriado e tudo, de festejos em louvor da passagem gloriosa dos seus 90 anos de pródiga existência.
Vladimir Carvalho é cineasta.
Fonte: Jornal da Paraíba