Apesar de diariamente governantes fazerem comunicados e postarem informações relacionadas ao cargo em suas contas nas redes sociais, em geral, esses dados não estão sendo preservados como um documento público.
Marcado pelo intenso uso dessas plataformas, inclusive para campanhas de ataques a outros Poderes e desinformação, o governo de Jair Bolsonaro (PL) ilustra a importância de que este tema seja enfrentado.
Hoje, ao abrir a página da Biblioteca da Presidência, onde estão arquivos dos ex-mandatários, podem ser encontradas as poucas entrevistas concedidas por Bolsonaro ao longo do mandato e seus pronunciamentos oficiais. As lives semanais transmitidas por seus canais pessoais também não estão lá. O mesmo quanto a seus tuítes ou posts no Facebook.
No conteúdo que foi remetido ao Arquivo Nacional, como seu acervo privado, tampouco estão materiais de suas contas pessoais, conforme informou o órgão à Folha. Também a Secom da Presidência disse que posts nas redes pessoais do ex-presidente não fazem parte dos arquivos oficiais da atual gestão.
Caso as plataformas hoje existentes um dia deixem de existir, ou os conteúdos postados por Bolsonaro sejam eventualmente apagados, inclusive por ele mesmo ou pelas redes, é incerto o quanto deste material estará preservado e acessível em outros meios.
Apesar de os perfis pessoais de Bolsonaro não terem sido salvos, segundo a Secom, os posts das contas institucionais foram preservados, e seguem no ar na íntegra, nos perfis da Secom, do Governo do Brasil e da Presidência —também os materiais de sites institucionais foram salvos. Não há mais detalhes, contudo, sobre os métodos usados.
Preservar a memória de um post em rede social, de modo contextualizado, pode envolver salvar dados de engajamento –o que pode ser inviável a depender das limitações de cada plataforma.
O Brasil ainda engatinha no tema, mas um primeiro passo foi dado no fim do ano passado, quando duas resoluções sobre o tema foram publicadas pelo Conarq (Conselho Nacional de Arquivos).
Em países como Reino Unido e Estados Unidos, por exemplo, projetos dos arquivos nacionais preservaram e permitem acesso a perfis ligados ao governo em algumas redes sociais. No primeiro, o arquivamento de websites ocorre desde 2003.
Tal debate envolve não apenas a dimensão histórica e de acesso à informação pública, mas também a da garantia de direitos, já que informações veiculadas nas redes podem servir, por exemplo, como prova em processos judiciais.
Último ano de Jair Bolsonaro na Presidência
Uma das novas resoluções do Conarq estabelece uma política de preservação de websites e mídias sociais da administração pública e os requisitos mínimos que devem ser observados nesse tipo de arquivamento, como a decisão do que guardar e do que ignorar.
Eles orientam tanto o Arquivo Nacional como também os arquivos públicos estaduais e municipais –documentos do governo que sejam de caráter permanente e que não podem ser eliminados vão para esse tipo de arquivo.
Entre os requisitos relevantes estão a autenticidade e integridade dos registros –aspectos de extrema importância em um contexto em que o avanço da tecnologia permite até mesmo a criação de deepfakes– e a garantia de que ainda será possível acessar esses dados muitas décadas à frente.
Um ponto ainda não tratado especificamente nessas políticas é se as contas pessoais de autoridades públicas teriam caráter institucional ou pessoal e se, portanto, deveriam ser arquivadas.
Os documentos são assinados pela presidente do Conarq, Ana Flávia Magalhães, que é também a atual diretora-geral do Arquivo Nacional –órgão que integra o Ministério da Gestão e da Inovação.
Publicadas em dezembro passado, as resoluções foram aprovadas no fim de 2022 e elaboradas por uma câmara técnica instituída em 2021. Segundo o órgão, a demora para publicação se deu essencialmente por troca de gestão e trâmites burocráticos.
“O Arquivo Nacional, que deve recolher do Executivo Federal [os materiais das redes sociais e sites], precisa criar estratégias, implantar essa resolução, essas diretrizes, e começar a recolher”, diz Neide de Sordi, que foi diretora do órgão durante parte da gestão Bolsonaro e que assinou a portaria instituindo o grupo que criou a resolução.
Neide afirma, porém, que entre os obstáculos estão as limitações de equipe e orçamento dos arquivos públicos. Segundo ela, a própria atuação para preservação dos documentos em papel e digitais produzidos pela burocracia governamental já é um desafio.